Seis
"Todo caminho da gente é
resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente
sobe, a gente volta!...” João Guimarães Rosa
Não tá morto quem peleja?
Fundo de poço tem mola.
E vamos nos recriando
Com os açoites da sorte
E tudo que a vida tira
E dá.
Sim! Sacode-se a poeira
E a volta se dá por cima.
Sim. Sei. A vida é gangorra,
Ou, quiçá, montanha-russa.
Não. Não há que rir demais
Quando se está bem lá em cima:
Logo vem a bruta queda...
E bem lá embaixo, no fundo,
Se refugia a ascensão.
Fundo de poço tem mola?
Dá-me forças p’ra ser forte,
Ó Deus, meu Deus, meu Pai!
Ai! A luta é pertinaz
E o inimigo é cruel.
Já vejo o meu fim... Ai. Ai!
Deus! Faz Teu milagre, faz!
E traz à terra o Teu céu!
Mais tem Deus para te dar,
Do que o diabo p’ra tirar.
O demo, que tudo vence,
Não vence a fé. Não a fé?
Dá-me, Deus, o entendimento
Da montanha-russa, só.
Ai! A vida é um convescote
Que levamos muito a sério.
Demais, demais, tão demais!
Pois, assim, sempre, sempre
Há um coelho na cartola.
Fundo de poço? Tem mola.
São Paulo. HP. 10/4/2014
Sete
“Sei
e não sei.” Grande Sertão: Veredas, p. 53.
Juventude.
Ela, ela,
Eu
a não aproveitei.
Medo,
receio, paúra,
Desconfiança
da vida
Assim:
enfezadamente?
Muito
consciente demais:
A
juventude não deve
Cometer
adultísses.
Sei
e não sei. Tenho dúvidas.
Ai!
A vida é duvidosa...
Ai!
A vida é sorrateira?
Arrependimento?
Não...
Sobre
leite derramado
Todo
choro é vão. Inútil.
Mas
houve dias radiosos
E
noites de pirilampos.
Ah!
Luscaluscafuscando!
Tão
tão acertadamente.
O
cheiro – noite de mata
Alí:
estrelizoando,
Vagalumiando.
Oh!
Pirilampos
reunidos
Sob
os copos de cristal:
Sala
verdealumiada,
Corações
pirilimpando,
Ai,
ai... os encantamentos!
Na
noite não tinha medo,
Não
tinha receio, não.
Eram
jogos de baralho,
Pife,
buraco, canastra,
Mico-preto,
rouba-monte
E
uma rolha queimada
Para
pintar o nariz!
Lá,
em volta de Gramado,
O
mundo não existia.
Foi
assim. Foi bem assim...
São
Paulo. HP. 14/5/2014
Oito
“foi juvenescendo em mim uma inclinação
de abelhudice”
Grande
Sertão Veredas: p.53.
De repente, assim do nada,
Foi juvenescendo em mim
Grande vontade de Deus.
Mas de um Deus não bem o Deus
Das pinturas mentirosas
De dois mil anos de fé.
O que o pintor pinta: Deus?
Não é Deus, é fantasia
À imagem e semelhança
Do mesmo homem. Só dele.
Eu queria um Deus grande,
Infinitonitonito
De tão sobreimenso grande.
Coceira de abelhudice,
Inclinação de pergunta,
Vontade de como-é?
Coração insofismado
No engasgo de por quê?
Como conhecer o Todo,
Eu que sou pequenininho?
Aquele que é mais do que é,
Que é sobreeternamente.
Como conhecer a Deus?
O Deus sem presença e face
Só puro espírito só?
Não o Deus de Miguelângelo,
Ai! Tão belo! Tão belíssimo!
Mas metáfora. Só. Só.
Eu quero o Deus indizível
Destes imensos silêncios
Impostos pelo infinito.
O Deus indizível, sim!
Deus da Via Negativa,
Que está ali... e já não?
Que não-está-mas-está,
Que é o contrário do oposto
Do que não sei, mas que sei...
Assim, assim: disfarçado;
Impossível. Necessário.
Não. Deus não cabe no mundo,
Mas cabe no coração.
E então ouço a voz que diz:
“Eu sou Deus, Senhor de tudo;
“Quem viu a Mim viu ao Pai...”
E já tudo se esclarece:
Eu queria o Sol, o Sol,
Mas – ai! o Sol não se pode!
Sobreinatingivelível.
É o Raio do Sol quem cria,
É o Raio do Sol quem vem?
Disfarce de Deus. Vigário.
Ele é o que não é?
Já tenho o Deus infinito
Numa chávena de chá.
E já tenho o que não tenho.
Já amo o que não é. É?
São Paulo. HP. 15/5/2014
Nove
“Se
todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?”
João
Guimarães Rosa
Saí,
saíste, saímos.
E
lá fora era o frio tanto
De
fazer tremer o corpo
E
fazer tremer a alma.
Não
era o frio do frio tempo:
Era
o frio dos corações.
Onde
uma ternura solta
Como
borboleta solta
Em
seu voo de soluços
Amarelejando
o ar?
Arre!
Corações de pedra
Lá.
Definindo destinos,
Acumulando
pecados;
Pecados
de ai, ai, ai...
Lá
fora era o inconsequente.
O
estúrdio. O sem-cabeça.
Mundo
de rolo, só rolo.
Desvairado.
Abismal.
Um
mundo de Deus-nos-livre,
Com
corações soluçantes
E
almas acachapadas.
De
doidivanas vontades
E
de bem fracos rezares.
Já
esquecido de Deus?
E
a bondade curadora
Virasse
história de antanho,
Mitológico
relato
Quase
esquecido de velho.
A
ternura. Que ternura?
Sumida
dos corações,
Fantasmagórica
só.
Olhos
empedrados frios
Sem
nem traços de eu-amo?
O
bem de muitos se rouba
Com
cara bem deslavada.
Os
mais líderes mais roubam
Deslavadaduplamente.
Os
homens guerreiam, matam:
Ao
assassinato chamam
Coragem
honra valor.
Causas
vãs: desconsoláveis,
De
inimizade imposta,
De
orgulhos tuberosos,
De
vanglórias tão inglórias...
E
lá fora estava o mundo,
O
reverso do arreverso,
De
cabeça-para-baixo,
Distante
de seu Senhor.
Uma
friagem maleita
Dominava
o sem-sentido
Do
grãorufar dos tambores,
Da
vermelhidão dos tiros,
Do
branquejar das hã-faces.
Saí.
Saíste. Saímos.
E
o mundo era triste, triste.
São
Paulo. HP. 11/6/2014
Dez
“moradores das grandes distâncias”
Grande Sertão Veredas, p. 122
A
Copa: ô, ô-ô-ô!
A
Copa. O Brasil cheio
De
ais e uis e ohs! Vixe!
Brasil
cheio de alarido:
Vuvuzelas,
pins e puns;
Latidos,
ruídos. Idos.
Brasil
cheio de puns-buns,
De
moradores de longe,
De
lá, das grandes distâncias.
O
mundo é um. Será? É.
O
Brasil cheio de roubos,
De
muita mentira. Ira.
Brasil:
mulato inzoneiro,
Que
não sabe o que é inzoneiro.
É!
Brasil do futebol,
Do
sol, da serra, do mar.
Ai!
Da terrível pobreza,
Dos
políticos canhestros,
Menos
no locupletar.
Parasitas
do Brasil,
Monstros
desconformes, vis,
Bem
de matar muita gente
Lá,
nos hospitais letais
Com
médicos estrangeiros.
Brasil
cheio de dor.
Dor.
O
arzulejo de junho
Mostra
uma nuvem rosada
E
a lua que já desponta.
A
vida é a mesma e outra
Ao
embalo da torcida
De
mentes inebriadas?
Pão
e circo e circo e circo
E
gentalha analfabeta
Só
fantoche de corruptos.
O
Brasil cheio de si
Na
miséria e na burrice.
O
Brasil cheio. A Copa.
O,
ô-ô-ô, ô-ô-ô!
Cheio
de cachaça e funk,
De
cerveja e sertanejo,
De
vãs fantasias – tanto.
Motos
barulhentas passam:
O
barulho é oração;
Impõe-se
música ao bairro.
Entorpecidos
sentidos,
Fanfarronice
pagã.
E
o Brasil cheio de vida,
De
morte e ressurreição?
Sempre
país do futuro:
A
Copa veio, mas não
As
obras da Copa, não.
Ai!
A Copa é uma besteira...
Mas
eu vibro, vibro, vibro.
Também
quero circo e pão?
Não
sou um? será? sou dois?
A
Copa. Eu cheio. Eu.
Campinas,
abertura da Copa, 12/6/2014
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