sábado, 9 de agosto de 2014

Roseanas Poéticas 11-15


Onze


“Sussurro sem som, onde a gente se lembra do que nunca houve.”


É: sabia ou não sabia?
Sim. Sim. A vida me esquece,
Sim? E eu me esqueço da vida.
Alegria mais tristeza,
Noves fora: nada nada.
Sussurro sem som,
Esperança sem tardança
De alguma coisa melhor.
Mas não melhor lá por fora,
Mas aqui por dentro. Cá.
Onde o passado e o presente
São só agora – agorinha.
Saudades do que não tive
E esperança do passado;
Lá: onde o que foi futuro
Adormeceu bem quietinho.

Momentos adormecidos,
A vida em volta: parada.
E a alma rodopiando.
Já! Querendo e não querendo;
Lá: retropositivamente.
Apegada ao que é bom.
É momento quando a alma
Lembra do que nunca soube
E se faz sábia na fé,
Perdurantemente sábia.
Pois é no se esvaziar
Que se enche de infinito
O coração balalão.
Deus reside no silêncio
E vive no esquecimento?
Lá – onde não há mais eu,
Onde todo o tempo é: fui.

Haverá vida sem vida?
Lembrança no esquecimento?
Ora! Sim! Pois é! A morte...
Sempre ela, derradeira,
Finalizante, cabal.
Ei! A morte é de surpresas?
A morte do enterramento
E das lágrimas sinceras.
Do cheiro de flor suada
E de vela. Choramingos.
Mas Deus diz que a morte é vida?
Será? Será! Ele diz...
“Ainda hoje estarás
“Comigo no paraíso!”
Então tá! Não tá? Senão.

É: sabia ou não sabia?
Sabia: a morte é vida.
Mas não é vida com vida,
É vida com belezura,
Só cheia de eternidades.
Onde não há mais tristeza
Só o perfume da serra
Quando é molhada de verde
E mais o sol outonal,
Que dura infinitamente.
Morte é mais vida que a vida?

Esqueci de me esquecer
Do outro tanto que eu sabia.


Campinas. 17/6/2014. Brasil 0x0 México



























Doze


“O mar não tem desenho. O vento não deixa. O tamanho...” 
                                                               Primeiras Estórias, p.119


Sem desenho é meu destino.
Rabisco? Inventação?
Será destino destino?
Ou vontade própria? É?
Ou vontades? Bem plural...
As múltiplas variedades.
O destino há que ser mais!
Pois o mar não tem desenho:
O vento não deixa não.
O tamanho...
O final.

O destino é complicado?
Vem tanto do que não quero:
Alguém mais deve querer.
E? De Deus todas querências?
No assim sobejamente,
Como se abriu o mar. Mar!
Ou mil vontades de outros
Se entrecruzando, mistosas,
De vetores infinitos
Dando a resultante vida?
Ai! Destino é furibundo,
Grandioso de arrematado.
Destino é não-sei, não-sei...

Mas, não! O mar tem desenho!
Desenho que o vento faz.
Lá – o destino do vento;
Cá – o destino do mar.
E o destino do barquinho,
Que é pescar, pescar, pescar.

O destino é, não é.
Quando não passou, só é.
Quando já passou, já era.


Destino é o que a vida faz
Do que queremos e não.
Ele é acontecimento.
É: sabido ou não sabido?
É: escrito por alguém?
Destino é premonitório?
Ou é escrito nos quereres?
Será dúvida perpétua,
Ou certeza do que é?
Tinha que cair, a folha?
Tinha que casar? Morrer?
Ai! O destino da morte
Dá friozinho na barriga.
É! O destino da morte,
Quem quererá saber?

Tenho p’ra mim que o destino
É tricô de três agulhas.
Vontade minha, de Deus,
E os singelos acidentes,
Só simples causa e efeito.
E quem diz quem manda o rumo?
Quem tem nas mãos o meu fado?
Cada mando desparelho
Como quem quis e não quis.
É queda de braço a três?
É? Deus não é mais império?
Mas Deus se esconde. Sabido!
Parecemos fazer planos
E Deus... De gargalhadas, ri!

Destino é coisa com coisa
Ou coisa com loisa e loisa.
Mas, afinal, aparece.
E já o seguimos: ele,
Mandante do suceder,
Ordenador das surpresas.
Destino de cada dia
Se descobre ou se fabrica?
Resultante de três forças:
E isso acaso o explica?
Tantos bons com mau destino,
Tantos maus com bom porvir...
A justiça aqui se faz?
Tenho p’ra mim definido;
Só se faz na eternidade.


Só peço que meu destino –
Lá – seja de perdãozinho
E de ser companheirinho
De Deus, nosso Senhor.


Campinas. 16/6/2014. Brasil 0x0 México.
























 Treze


“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.” 
                                                       Grande Sertão Veredas, p. [14]


Todo outono eu me floresço
Como as paineiras florescem.
Sim: emolduro o azul,
Perfumo os ventos soprosos
E jogo flores no chão.
Por quê? Eu não sei nem sei;
Sei que é do meu destino
Ser outonal. Vendaval.
Quase que nada não sei:
Coisa e coisa desconfio.
Não nasci para verões
Ou primaveras douradas.
O outono é o meu mistério?
Então. Quase. Sim, sim. Sim?

Eu não sei das estações
Que acometem outras almas.
Não. Apenas adivinho.
Minhas folhas amarelas
São sopradas para longe,
Lá onde o vento faz curva,
Onde o arco-íris nasce.
Os segredos sussurrados,
Os medos encapotados
Aguardando o frio, o frio.

Por ali andava eu,
Sem nenhuma afirmativa,
De tudo desconfiado,
Ansiando pelo fim.
Que fim não é: seguimento;
Que é absolutização
Do espírito. Da alma.
Plenificação do eu:
Do eu que não é eu não,
Que é meu encontro com Deus:
Tudo e nada de mãos dadas.
Sim.
Eternalongamente.
Como um arrebol sem fim.


Como uma imagem de Hopper
Eu estendo as minhas sombras
E os meus raios amarelos.
Tudo em mim é longilíneo,
Arrastando-se pelo chão.
Tudo? Não. Nem tudo tudo.
Algo em mim verticaliza.
Sim. E aspira ao infinito.
Algo em mim é milagroso,
Desconhecido de mim,
Enigmático, redondo,
Esférico-transcendente.

Meu outono não é triste.
Melancólico, talvez,
Como os sons de Madredeus.
Mas não triste triste. Triste?
Não o triste de chorar,
Triste de penas na alma:
Pois meu outono tem Deus.
Como? Que jeito? Não sei...
Mas está lá: serenado,
Pacífico sorridente.
Sempre de braços abertos
Para o meu eu outonal.
Cheiro de armário de livros.


Campinas. 20/6/2014







 



















Quatorze


“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.” Grande Sertão Veredas, p.20


Ah! A música de Bach!
Sim! As imagens de Hopper,
Textos de Guimarães Rosa...
Nisso tudo a eternidade...
O mundo tão belo belo
Onde em tudo Deus Se mostra
E onde em tudo Deus Se esconde.

Uma mão que faz carinho
E a hera subindo o muro.
Ciprestes altos balançam,
Pinheiros semeiam pinhas
E o céu azul mostra nuvens.
E penso no que não tive
E no que tive também?
E confundo o que eu não fui
Com o que eu fui certamente.
E no ser-não-ser de mim
– Saudades do que não tive –
Eu avanço para o quê?
Lá. O que haverá de mim?

Eu já quis ser eu, eu mesmo,
Lá, no afã da juventude.
Mas agora, mais e mais
Quero ser eu menos. Menos.
Sim? Quero esquecer meu nome
E não os nomes alheios.
Quero um Alzheimer autógeno,
Um esquecer de mim mesmo.
Pois de mim estou cansado?
Enfadado de querer.
Eu. Afino ou desafino?


Eu. Não estou mais igual
E o consolo é a mudança.
O que eu sou por fora vai
E o que sou por dentro vem:
Maré-onda do meu ser
Misterioso e dividido?
Eu que sou um bicho-anjo?
Queria só ter o bem
Para pensar, falar, dar.
Queria ter só amor.
Mas o amor, onde estará?
Queria não ser eu mesmo
Para mais e mais ser eu.
Eu. Afino? Ou desafino?

Era uma vez quem eu era.
U’a fábula repassada,
Uma sonata calada,
O Minuano na alma:
Perfume de folhas secas
Queimando em fogo estalado.
E eu me paraliso todo
Para seguir adiante
Para o-que-não-sei-de-mim.
Avanço para o futuro
Que logo será passado.
Meu pretérito-futuro.
Meu futuro do pretérito?
O que-vai-ser-e-já-foi.
Eu afino ou desafino?

Deus me conceda mais Ele:
O meu grão mistério amável,
O infinito que cabe
Bem ajeitadinho em mim.
Em mim? O quê? Sem palavras.
Eu afino ou desafino.
Sim.


Campinas. 20/6/2014























Quinze


“Saudade é ser, depois de ter.” Grande Sertão Veredas


Onde estão meus muitos eus?
Ai! Eu me perdi de todos!
Sigo assim, sem face ou cara,
Com o perfume de ontem.
Certeza da confusão,
A confusão da certeza...

Foi-se o menino que eu era,
Que seguia pirilampos
Nas noites de outro lugar.
As noites eram um ai!,
Sobremaneira distintas.
Eram noites duradouras
Embaixo dos cobertores
Pesados e perfumados
De cedro e jacarandá.
Cadê o menino que eu era?
Onde a pureza que tinha?
Ai! As grandes incertezas...

O eu bom, o eu ruim,
Onde estão? Onde se foram?
Tenho o eu em suspensão
E num eu mesmo sou eu.
Cores variadas de mim
Se apagaram como as cores
De arco-íris caduco,
Tomado por esclerose.

Onde o meu eu para cima?
Onde o meu eu para baixo?
Onde todas as vertentes
Que murmuravam em mim?


 Havia um lugar de sonhos,
Onde os musgos eram verdes
E vermelhos e cinzentos;
Havia barba de pau,
Borboletas amarelas
(Na verdade eram azuis)
E as outras, multicolores.
As azaleias floriam
Suas cores e perfumes
E a vida era plena.
Plural como os manacás?

O que sobrou de mim mesmo
A não ser doce lembrança,
Saudade do que já foi?
O passado é sempre doce,
Ou não. Ou será amargo?
O passado é só passado,
Mas a gente pode, sim,
Agasalhar-se todinho
Nas lembranças que ficaram.
As boas. Claro. Porém.

Soprei meus eus no bom vento,
Como um dente de leão:
A aragem os levou
Bem rodopiusaltitantes,
Carregados pela brisa.
Onde pousarão, enfim,
Estas sementes de mim?
De mim que sou só lembranças;
De mim que sou só anseios;
Eu: uma interrogação?
Que não sou e nem não sou,
Que sou como todos, todos.
Só um sorriso de Deus.


São Paulo. HP. 25/6/2014

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