sábado, 9 de agosto de 2014

Roseanas Poéticas 1-5



Um


É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.” João Guimarães Rosa


Se o suspiro não se prende
E já de novo suspira,
E acompanha toda lágrima
Sem cansar de suspirar,
É porque a dor é bem viva.
A dor só morre cansada:
A gente desiste dela.
Fim de dor é desistência.

No mais, é dor após dor,
Bem como os pingos da chuva,
Que molham em outras partes,
Mas, de errados, molham tudo.
A dor dá trégua, dá pausa?
Vai, pega aqui e acolá,
Mas o coração, todinho,
Fica todo bem cansado
De sofrer em pulsações.

E o amor, do que nos serve?
Ele lubrifica a vida?
Tira a ardedura da dor.

Por isso há que amar e amar,
Mesmo um amor sem acerto,
Mesmo um amor descuidado,
Mesmo um amor sem amar.
Pois o amor é primavera,
É uma promessa sem medos,
É certeza descuidada
De um amanhã mais feliz?
O amor torna o tolo sábio
E o sábio santo. E que mais?


O amor surpreende as horas
E já cria eternidades
Entre os minutos da vida.
Por isso há que amar e amar,
E esquecer de ter amado.
Ter uma amor novo sempre,
Pois o universo é infinito
E a alma fica infinita?
Sempre que consegue amar,
Sempre que consegue amar.
E.
Nem.


São Paulo. HP. 09/4/2014




 

Dois


“Viver é um descuido prosseguido. Mas quem é que sabe como? Viver... o senhor já sabe: viver é etcétera...” João Guimarães Rosa


Arre. Pois! Vamos adiante
Pr’as surpresas do amanhã.
Prosseguindo, prosseguindo...
Então – seremos felizes,
Ou, então, felizes não...
Mas quem é que sabe como?
Ai! Viver não se adivinha!
Não se sabe como, não...

Vê! Bem e mal atropelam
Bons e maus. Ou não? Ou não?
Se não fosse assim confuso,
Quem fabricava maldade?
Morressem os assassinos
De pirepaque danado,
Quem seria bom, por bem?

Deus criou-nos como homens,
E não como marionetes.
Faço ou bem ou faço o mal,
Mas eu, sozinho, é que faço.
Quando o coração destrava
A fazer maldade... Ai!
E o demo solto, solto...

Mas quando a alma faz bem
É formosura de lindo!
O bem tem cheiro de rosas,
De lírios, de abacateiros...
É: o bem vem de mansinho,
Brota como semente,
Sobe como trepadeira?
– Qual hera, unha-de-gato –,
Fica então agarradinho
Nos muros do coração.

O bem não se impõe na força,
Mas no tempo, pois não finda.
O bem é mar infinito,
De ondinhas na nossa vida?
Há que aconchegá-lo, sim...
Devagarinho. Assim. É...


São Paulo. HP. 10/4/2014




 


Três


“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: Esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”  João Guimarães Rosa


O correr da vida embrulha,
Confunde, faz rodopio.
A vida é pião rodando?
Todo zanzindo no chão:
Corre cá, corre acolá,
Uf! Até que a morte a pare.
(Dizem que a morte é pião
Também, girando ao contrário?)

Mas, se da vida eu não sei,
Da morte, que saberei?
Só: da vida eu adivinho:
Vejo, pego, cheiro, toco.
E a morte é assim: um sonho,
Uma maravilha só,
Mas que a gente não segura...

A morte é a sobremesa?

E vem vida e vem mais vida
Com surpresas cabeludas.
A vida sabe assustar.
A vida faz cara feia...

Então, nos enredamentos
De vida e mais vida e vida,
Ai! Faz-se o mundo dos homens:
Seus berços e sepulturas.

Suspiro... De dor, será?
É o que é. Só assim.
Ai! As certezas da vida
São sempre sempre um quem sabe...


São Paulo. HP. 10/4/2014



 


Quatro


“Merece de a gente aproveitar o que vem e que se pode, o bom da vida é só de chuvisco.”  João Guimarães Rosa


Sim! Há que ficar atento?
O bem da vida é pingado,
Mas o mal assoma. Ruge!
O bem é bem gente boa:
Cabisbaixo, fala mansa,
Doce doce, assim assim.
O bem esvoaça, foge,
Como o voo soluçante
Das borboletas azuis.

Sim, sim, há que aproveitar
O bem que vem pequenino.
A miudeza não ofende:
Deus também se fez miúdo?

Este mundo é casca-grossa
De muito muito mal muito.
Mas com recheio de bem.
O mundo é um abacaxi
Coco, cacau, cupuaçu...
Vida é assim: uma noz.

Ai! O consolo dos olhos
São as estrelas que brilham
Lá em cima, soberanas,
Quando a fadiga do dia
Mostra nossa pequenez.
As estrelas foram feitas
Só para nos consolar?

E então, sem saber, oramos.
Então... quase. Sim!


São Paulo. HP. 10/4/2014










Cinco


“Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer.”  João Guimarães Rosa


Alef, lam, mim, alef, mim.
O mundo é mistério, sim?

Ai! Deus nos quer miudinhos
E, ainda assim, tão gigantes!
Com uma mão Ele dá,
E já, com a outra, retira.
Assim: tudo é impermanente.
O que foi, jamais será...
Mas as esferas celestes
Giram sem jamais cessar.
O infinito é um giro?

Já sei: o mundo é reflexo
Da Face divina n’água:
Eis! Existe e não existe.
Lá está, mas da mão foge.
Existe em apelo, busca.
Existe em não existindo?

Tudo passa, menos Deus.
Todos são Seus servos, sim,
Sabendo e querendo, ou não.
Pois o mistério deixado
É só este: Deus não é óbvio,
Deus é sutil. Sutilíssimo,
Como a alegria da infância,
Como o último suspiro.

Tudo passa, menos Deus.

E é o passar que nos educa:
Nos descobrindo mortais
Achamos a eternidade?

Alef, lam, mim, alef, mim.


São Paulo. HP. 10/4/2014

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