sábado, 9 de agosto de 2014

Roseanas Poéticas 30-35


Trinta e um


“Pois não sim?” Grande Sertão: Veredas, p. 10


Temos que viver o efêmero
P’ra alcançar a eternidade?
No mundo há sempre ruído
E a vida passa em barulhos,
Em cores, em desesperos.
Quando é que havia os silêncios?
Quando o Sol era bem novo
E a Terra não existia?
O barulho está nos homens.
O que havia quando tudo
O que há não existia?
Sei. Falam em um Grande Estouro...
E antes do Grande Estouro,
Quando não havia o tempo,
O que existia então?
Nós respondemos perguntas
Com tantas outras perguntas!
Sim. As grandes ignorâncias...
O conhecimento é um ponto
Por tolos multiplicado.
Tudo e nada.
Pois não sim?

O passado eu não apago:
Eu o crio sempre e sempre.
Vivo em quatro dimensões?
Mundo que rola e enrola:
A política é o horror?
Aquele ponto bem negro
Que nos congela o estômago,
Ai! Que nos congela as vísceras.
Alguém duvida do demo?
Para liderar o povo,
Quem são os tão escolhidos?
Sempre os mais indignos?
Do rio a terceira margem...


A tristeza é cor de rosa
Como um golpe de florete.
E a alegria? A alegria?
Alegria não tem cor:
Tem murmuro de laranja;
Perfume de verde-musgo.

Tudo no mundo é passável,
Quase não fica depois.
Onde as gerações já idas?
Santos e heróis – os de antanho?
O tempo traga o presente
E alinhava o amanhã.
Como a cobra troca a pele.
Vivemos no passageiro?
No que vai ser e já foi.
Vai-se o anel. Fica o dedo?

E o que fica da voragem?
Ah! Há lembranças teimosas
Como o cantar das cigarras.
Pintar os ovos de Páscoa:
Mágico papel-crepom.
Buscar os ditos. De Páscoa?
Escondidinhos. Sei lá?
Pelo jardim. Pela casa.
A vantagem do Alzheimer?
Podeis esconder os próprios,
Os ovos de vossa Páscoa.
A beleza da estranheza.
No mais? É um grande vazio...

Mais perguntas que respostas
Girando num redemunho?
São de opiniões alheias
Tudo o que acreditamos?
Por Deus! Há muitas certezas!
Mas quem deseja escutar?
Eis que o mundo nos confunde,
Mostra-se definitivo:
A grande, grande ilusão!
Ai! O mundo é sorrateiro?
Uma arapuca de tolos,
Fugaz como um tique-taque.
 
Fincar no mundo a raiz,
P’ro alto elevar os ramos.
Nós. Diametrais como as plantas.
Com duas vidas em uma?
Na terra enterramos corpo,
No céu florescemos alma.
Ai de quem enterra os galhos
No lugar só das raízes...

Há que buscar o mais alto.
Há que buscar.
Pois não sim?


Campinas. 15/7/2014


























 Trinta e dois


“Será não? Será? Grande Sertão: Veredas, p. 11


Verba tene; res sequantur.
É o avesso da lição?
O sentido, não se perde;
Mas a palavra é esquiva,
Doidivanas, fugidia.
Há que pescar a palavra
Como quem pesca um marlim:
Sabendo que lutará
Para tê-la controlada.
Dizem: não há má palavra,
Se a puserem no lugar.
Não há palavra mal dita
Se não for mal entendida.
Palavra é infinitudes...

Palavras? São delicadas?
São fonte de vida ou morte!
Em excesso são veneno
E consomem corpo e alma.
Para bom entendedor,
Meia palavra é sufi?
Palavra, puxa palavra?
A que eu digo, me escraviza;
Da que eu calo, sou senhor.
Cadê a palavra amor?

Não desfazemos passados,
Se marcados por palavras:
Esquecemos a razão
De todos nossos conflitos,
Mas não se olvidam palavras
Gritadas com destempero.
Palavras têm uma essência?
Palavras têm um espírito?
Há palavras qual remédio,
E palavras qual veneno.
Há palavras tão alegres
Quanto o saltitar do grilo,
O gosto da framboesa,
O cálido sol de outono.
Palavras são meias quentes?


Quem fala palavras? Cria.
Cria o bem ou cria o mal.
O que contamina o homem
Não é o que entra na sua boca;
É sempre aquilo que sai.
Não! Não se apaga o passado
Daquela palavra dita.
Qual palavra, nos antanhos,
Foi que me feriu de morte?
E qual me ressuscitou?
Sou Lázaro da palavra?
O Verbo me redimiu?

As roupas – lá – estiradas:
Bandeirolas no varal.
Como expressar o poema
Que elas tecem junto ao vento?
A espada, fria, vence;
Palavra sábia, convence.
Poderosas quão trovão
E frágeis como crianças.
Palavras não proferidas
São as flores do silêncio:
Florescem no jasmineiro
Que perfuma o coração.
Porém: palavras sem obras
É já viola sem cordas.
E palavra não é prego?

Muita oração suplicante,
Muda a vontade de Deus?
E repetir muito a prece,
Não tem Deus por surdo ou tonto?
Quem muito quer, muito pode?
Muito pede e pouco espera,
Pois a vontade e a paciência
Sempre são inversamente?

Palavras de muito amor,
Flutuantes qual Veneza,
Serenas como Grasmere,
Cálidas como o arrebol.
E as outras: opositivas...
Palavra de burro é coice?
As palavras ditas voam,
As escritas sempre ficam.
Palavras nada não são,
Mas fazem revolução.
Eu. De palavras transquieto?
Toda a palavra é perdida,
Se d’alma não for ouvida.
Bem mais fere a má palavra
Do que a espada afiada.
Enquanto o mundo rodeia
Os falares de uma terra
Escorregam para outra
E tudo o que se falou
Vai, penetra em novas mentes.
Mundo que gira é Babel?

Mais vale boa palavra
Que ouro de boa lavra.
A chave do almoço é o pão,
Da zaragata é a palavra.
Diz-se: a grandes personagens
Vão bem as poucas palavras.
Quem muito fala, o que cala?

E a palavra que é poesia?
Assim como a torre Eiffel
Foi. Nasceu só para estar.


Campinas. 15/7/2014



 


Trinta e três


“estou de range rede. Eu me inventei neste gosto de especular ideia. O diabo existe e não existe? Deu o dito. Abrenuncio. Essas melancolias.”  
Grande Sertão: Veredas, p. 11


A vida é só um arremedo
Da a vida existencial,
Daquela que vive mesmo.
A vida é um presentemente?
E, pelos cantos da vida,
O caipora, o abadom?
A vida é antes fosse...
A vida é um quero-não-quero?
No escuro das varandas
Perambulam almas tristes.

Vida é desgosto curtido
E um fio de felicidade;
É prestidigitadora,
Dramaturga de mil vidas:
Vida é vida e morte. Só?
Tão fugaz e passageira!
Mas nela nos apegamos
Qual sedentas sanguessugas,
Como carrapatos vis.
Vida é sempre vai passar?

O mundo como teatro?
Onde tudo nada é?
Sim. Terminado o espetáculo
Retira-se o figurino
E desmonta-se o cenário.
Tudo o que era não é.
O foi-se do que se era.

Onde estão os poderosos?
O pó da terra os levou.
Partiram como mendigos
P’ra sua morada eterna.
Certamente será má?
Trocaram o bem eterno
Pelo mal feito na terra.
O ranger dos temporais
É os dentes dos perdidos
Que rangem na eternidade?


Vós mentis e vós matais
Para os que matam e mentem.
E depois não há o demo?
Ninguém sabe o mal que faz?
Bestas na suprema corte,
Ladrões de terno e gravata,
Pedófilos, assassinos,
Estupradores, vilões...
O mundo de bestas-feras.
Negrume nos corações.
Eu sei, resolutamente?

Loucura insana de Loki
Correndo o mundo a tropel.
Demo existe e não existe?
Fora o demo! Basta o homem
P’ra destruir todo o belo,
P’ra corromper todo o justo,
P’ra prender e acorrentar,
P’ra mentir, roubar, matar.
Os homens são cegamente...

O coisa-ruim, capiroto?
O mal que há nos homens. Tão!
O lado mais baixo deles.
Ninguém lá fora, assombrando:
Tudo tudo intimidades;
O eu baixo a sussurrar;
A liberdade de errar.
Não pudesse errar, onde? Ô?
Livre-arbítrio tão falado?
Sem os dois lados de mim,
Que destino eu traçaria?
Autômato do bem?

No homem mau: profundidades?
E mesmo o bom – tem abismos?
O bem e o mal são fáceis:
Como gastamos o tempo?
Como gastamos dinheiro?
A vera e sincera bússola.

Tenho a luz e a escuridão
Numa mesma e minha alma.
No que penso todo o tempo?
Sou a favor contra o mal...
E entretanto mesmo assim
O que me leva a errar?
A escolha tortuosa
De uma alma mal treinada?
Estou me sentindo azul?

E lá sou? De churumelas?
O passado fosse doce?
E nossos sorrisos nas fotos...
Quase o sorriso de outros,
De gente desconhecida.
E uma alegria vicária
Vem, me arrebata e domina.
Da chuva grande de lágrimas
Só ficou tão o arco-íris.

O que eu sendo, assazmente?
Meu Deus é vento trigueiro,
O que enfuna as minhas velas.
Vento de sopro soproso...
Mas nas mãos de quem, o leme?
Nas minhas mãos! Tão só minhas?
O leme nas minhas mãos...
Faço e desfaço meu rumo
E retraço a trajetória
Para onde o vento sopra.
P’ra onde o leme conduz?
A bombordo e a estibordo
Conduzo minha chalupa.
E culpar o capiroto?

O demo é desculpa fácil
P’ra quem vive de desculpas.
Aquele que nunca riu
É história da Carochinha.
O cão tinhoso é eu mesmo
Nas minhas vontades chãs?
O sem-graceiro é inimigo
P’ra alma se precaver.
Quem precisa de oponente
P’ra se sangrar em disputa
É mais valente que eu?
E precisa o sete-pele
P’ra se lutar contra o mal?
São coisas de antigamente...
O temba, tição, tinhoso,
É útil invencionice:
Vade retro tranca-rua!
E lá se foi o sarnento.
Até próxima virada,
Pois o cramulhão só volta.
O temba é repetidor?
Escravos de Jó jogavam
Caxangá: titira, bota,
Que se vá o Zé Pereira.
Os guerreiros c’os guerreiros
Fazem zigue-zigue-zá?
Lá: na guerra e nos exércitos,
O coisa ruim, o ardiloso.
Sei: lutar contra o de fora
É tão tonta tonteria?
Como se combate bate
O mal que nasce de dentro,
Do qual não há vã desculpa
De ser de outra propriedade?
O encardido cão-tinhoso
É apenas o não-eu?

Aceitar sua própria sombra,
Muito sua mesma própria,
Não é signo de grandeza?
Não mais culpar o tição,
Mas assumir propriedades.
Fui eu que quis ou não quis
O que era bom era mau.
Não sou de intemperanças?

Se Deus: olhos noutros olhos
Exige de mim a verdade,
Eu sou vero. Fui eu mesmo?
Na simetria do dois.


São Paulo. HP. 17/7/2014







Trinta e quatro


A gente viemos do inferno – nós todos – compadre meu Quelemém instrui. Duns lugares inferiores, tão monstro-medonhos, que Cristo mesmo lá só conseguiu aprofundar por um relance a graça de sua sustância alumiável, em as trevas de véspera para o Terceiro Dia. Senhor quer crer?” Grande Sertão: Veredas, p.38


Ora! Vá pentear macacos!
Que o inferno é não é?
O inferno é suposto valo
Grande enorme, submergível?
Não, não é este o conceito...
É um castigo queimante?
O inferno não existia,
Foi inventado aos milênios,
Quebra-cabeças da dor
Do eternamente castigo.
O inferno é quente e é frio?
O inferno é e não é...

É um lugar não-lugar?
Ê! Vá cachimbar formiga!
O inferno é remordimento
Sobre o mal do coração.
O inferno é auto-aplicável?
Assim por diante e detrás.
É um lugar insagrado,
Lá no fim do todamente.
O sempre sim, sempre não.
E o inferno são lonjuras
De Deus, as grandes distâncias?
O inferno seja uma hipérbole
Flutuante no universo?
É um sei não sei, lá sei?

Lá no longe bem distante
Minha casa não é minha
Nem é meu este lugar;
Estou só e não resisto:
Muito eu tenho p’ra falar.
Lá no longe. Bem distante!
Me perdi do meu sentido,
Me afoguei em desencantos.
Soubesse eu da outra vida?
Ora! Vá lamber sabão!
 
Contada história em silêncios,
Muitos momentos fugazes,
Muitos espaços vazios;
Pois o inferno é três pontinhos.
Ele existe e não existe
E não só lá, como aqui.
Ele é um indefinível:
Ironia metafórica.
Sei: o inferno é surpreendente,
Eu. Quando quase o entendo,
Sei que já o desentendo.
Vá ver se eu estou na esquina!

Qual a altura do sofrer?
Qual a distância do triste?
O mal diverso e farrista
Eu não desconfio em mim?
Não espio em mim maldade?
O inferno é de Deus: lonjuras.
Céu é desafastamento,
Inferno é desacercar.
O inferno é um movimento?
Sempre p’ra longe da luz?
O que era p’ra ser bom
Se torna fonte de mal.
Deixai atrás, vós que entrais,
Toda e qualquer esperança.
O inferno é definitivo,
Intimamente por dentro.
Ei! Vá chupar parafuso
Para ver se vira prego!

O inferno. Ele. É deslúcido:
Atrapalhoso lugar,
Onde se juntam aranhas
E cobras multiselvagens.
Bem feio já o pintou
Quem de Virgílio foi par.
Mas tantas paragens, tantas,
E as especificidades...
E lá pecador, acaso,
Tem pecado de um só tipo?
Pecado puxa pecado:
Só há multipecadores...


Castigos são desgrupais
Tão somente próprios?
O inferno de cada um é único...
Ora! Vá catar coquinho!
Eis: o inferno é sumamente.
Ele tem personalidade?
É feito de afastamentos,
Como um continente ignoto.
Cada qual tem o seu tal.
Inferno é sobrepujanças?

Ora! Vá plantar batatas
No asfalto p’ra ver se cresce!
O Hades não é genérico,
Mas sim personalizado.
Sei: o inferno é custom-made.
Ajeitadinho de vez
Para o gosto do freguês.
Ê! Inferno é rebuliço?
Inferno é muita balbúrdia,
Sem vistas de serenar.
É choro e ranger de dentes.
Quem desfaz sua maldade
Para do inferno escapar?
Quem desinventa o seu mal?
A eternidade castiga
Quem de maldades se quis.

É claro que há o perdão.
Mas perdão é desinferno.

Ih! Vá dar rasteira em sapo!


Campinas. 19/7/2014




 



Trinta e cinco


Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura." 
João Guimarães Rosa


Sei o infinito que existe
Entre o um e o dois. Bem lá?
Assim como entre dois seres
O infinito de silêncios
Cria uma ponte de ais...
Qual é a grande distância
Lá, entre dois corações?
Há sussurros de silêncios,
Murmúrios de frases velhas,
E relances de esperanças.
Entre os corações, há tudo?
Sim: milimetricamente.
Falando, há um sem fim
Do quê? De infinitas coisas
Somente sonhadas, só.

Cabe o amor neste meio?
Lá, no entrecruzar das almas?
Se não há amor ali,
Que força unirá dois seres?
Certamente que há amor?
Amor variegado e múltiplo,
De amantes, de amigos,
De pais e mães e de filhos,
De artistas, de poetas,
O amor de heróis e de santos,
De velhos e de crianças...
Entre as almas há amor.
Ou simplesmente não há?
O infinito se preenche
Ai! De amor ou de vazio?


Coisas da felicidade
Tenho que deixar aos outros.
Lembra-te de nós melhores
Do que fomos de verdade.
O amor não encobre as faltas?
A duração de uma vida.
Um instante passageiro.
E o amor que intermedeia,
Que baliza e plenifica
Tudo o que na vida vale,
Tudo o que na vida é.
O amor é cola da vida?
É cafuné do Senhor?

Inexistindo o amor
Entre as consciências dos homens,
Não restam só sofrimentos?
Quem, sem amor, faz o bem?
Da vida, o amor é o mel;
Do amor o ciúme é o fel.
Desapressado, o amor vai
Por horizontes distantes.
O amor persevera. Cai
E já levanta, sem susto,
E segue até o seu destino.
Ele é doceternamente...
Um descanso da loucura.

Qualquer amor já nos basta?
O amor pequenino é frágil;
É tão quase um não-amor.
O amor há que ser estúrdio?
Só sei que deve crescer...
Amor é só crescimento
De infinitas ternuras.
É um oceano sem praias,
Infinitude de bem.
Pois o amor amansa os chucros,
Consola os desalentados.
O amor é remédio? É bálsamo.


Sem o amor entre as pessoas
Lá o mundo é um manicômio?
Uma dor sem fundação
De razão ou de verdade?
Amar sem disfarce ou medo,
Não é o que o céu nos ordena?
Como ter as veras pontes
Entre os corações viventes
Sem fundamentos de amor?
Preferir o outro a si:
Alquimia misteriosa
Que nasce no coração.
E uma miríade de anjos
Já ressoam silenciosos.
Amor é lá estribilho?


Campinas. 24/7/2014

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