quarta-feira, 1 de novembro de 2017

1. Dies Domini

 

Luis Henrique Beust







Dies Domini
D i a    d o   S e n h o r


Dies Amoris
D i a   d e   A m o r 


 Poesias
Celebração do Bicentenário
do Nascimento 
de Bahá’u’lláh 
(1817–2017)
e do Báb
(1819–2019)















Capítulo 1
Dies Domini
D i a   d o   S e n h o r
























Deus quer, o homem sonha











Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a Terra fosse toda uma,1
Que tudo unisse, nada separasse;
Que não houvesse mais barreira alguma.

Fez-se, então, todo um mundo diferente,
Uma nova invenção cada segundo.
O mundo novo estava pela frente,
Pois era, a cada passo, um novo mundo.

A aldeia global que Deus nos fez
Pena ainda o pecado original,
Pois a guia a tremenda insensatez
De se afastar do bem, querendo o mal.

O mundo dividido se desfez,
Mas apenas no corpo, não na alma.
É necessário agora, de uma vez,
O amor universal, que cura e acalma.


Campinas, 27 de outubro de 2017


[1] Os dois primeiros versos são de Fernando Pessoa: Mensagem, O Infante.






No inverno, embaixo do gelo











No inverno, embaixo do gelo,
O vivo parece morto,
E o morto, apesar de sê-lo,
Não nos causa desconforto.
Jazem em paz morto e vivo:
“Dormente” é o adjetivo
Que lhes cabe com conforto.

Quando surge a primavera,
E as neves já vão embora,
O calor que agora impera
Mostra o vivo em boa hora.
A verdade manifesta:
As coisas vivas em festa,
As mortas fedem agora.

A Primavera divina,
Que nos veio sem ruído,
De certo mudou a sina
Deste mundo dolorido:
O que é vivo está brotando,
Com cores embelezando
O mundo reflorescido.

O que era morto, entretanto,
Ao que é vivo agora cede:
Não adianta reza ou pranto,
O morto já se despede.
Eis! o mundo atrapalhado,
Pois o morto acobertado
Apodrece e cheira e fede.


Campinas, 13 de setembro de 2017
 


  Já se fez o novo céu











Já se fez o novo céu,
Já se fez a nova terra.[1]
São João contempla, incréu,
Quanto o Apocalipse erra.
Mas é o que o povo imagina
O que distorce a doutrina;
E não o que o Texto encerra.

Destituídos de alma,
Querem tudo exatamente
Ao pé da letra, sem calma
Para pensar claramente
Nos símbolos tão benditos,
Os grãos mistérios prescritos,
Que hão de ser eternamente.

A carne nada aproveita;
O espírito vivifica.[2]
Céus de pó é só desfeita;
Terra de pó só pó fica.
Tudo o que a Escritura fala
É só espírito, e exala
O simbolismo que explica.[3]


Campinas, 12 de outubro de 2017



[1] 
Apocalipse 21:1 — “E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram”.
[2] João 6:63 — “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida.”
[3] Bahá’u’lláh, Kitáb-i-Íqán, p.47.— “[...] o termo ‘terra’ significa a terra do entendimento e conhecimento, e o ‘céu’, o da Revelação Divina.”




O céu de Deus não é o céu











O céu de Deus não é o céu;
Sua terra não é a terra.
Quem não vê por trás do véu
Das palavras, muito erra.
Ele disse vir do céu, [1]
Mas de que espécie de céu,
Se nasceu aqui na terra?[2]

Ele disse estar no céu
Quando plantado na terra.[3]
Qual a espécie, pois, de céu
Que este grão mistério encerra?
O que se vê é mortal,
O invisível, imortal:[4]
Quem o percebe não erra.

O céu, portanto, onde estava,
De onde viera e viria,
Era o bom céu que Ele amava,
Para onde subiria.
Era o céu da condição
Do excelso coração
Do bom Deus que Lhe sorria. [5]


Campinas, 13 de outubro de 2017


[1] João 6:38 — “Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.”
[2] João  3:13 —“Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do Homem, que está no céu.” (A ênfase é minha. De agora em diante abreviado como AEM)
[3] Lucas 2:4-7 — “E subiu da Galileia também José, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi chamada Belém (porque era da casa e família de Davi), a fim de alistar-se com Maria, sua mulher, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.”
[4] 2 Coríntios 4:18 — “não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.” (AEM)
[5] Bahá’u’lláh, Kitáb-i-Íqán, p.47. — “[...] o termo ‘terra’ significa a terra do entendimento e conhecimento, e o ‘céu’, o da Revelação Divina.”



Vieste do céu de antanho











Vieste do céu de antanho,
Mas ninguém Te viu chegar.
Na primeira vez, que estranho,
Foi Maria a Te gerar.
Mas disseste do céu vir,[1]
Para os cegos a Te ouvir
Não Te enxergarem no ar.

Novamente Tu vieste
Do céu de onde vieras. [2]
Mas na abóboda celeste
Ninguém nada viu, deveras...
Pois o céu não é o céu
Como quer o povo incréu
Desta era e de outras eras.

Como Deus é invisível,[3]
Puro Espírito (Amém!), [4]
É de todo inconcebível
Que o céu de onde o Verbo vem
Seja o céu visível: este.
Não! O céu de onde desceste
É invisível também!


Campinas, 04 de outubro de 2017


[1] João 6:38 — “Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.”
[2] Bahá’u’lláh, A Proclamação de Bahá’u’lláh, Epístola ao Papa Pio IX — “Ó Papa! Rompe os véus. Já veio aquele que é o Senhor dos Senhores, envolto em nuvens, e o decreto foi cumprido por Deus, o Todo-Poderoso, o Independente... Ele, em verdade, desceu outra vez do céu, assim como daí desceu a primeira vez.” (AEM)
[3] João 1:18 — “Deus nunca foi visto por alguém.
[4] João 4:24 — “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.




Vieste do céu de antanho 2











Vieste do céu de antanho,
Mas ninguém Te viu chegar.[1]
Ai! que fenômeno estranho
O de Deus no mundo entrar:
Disfarçado, sussurroso,
Sem escarcéu assombroso;
(Sandálias a se arrastar...)

Ele disse que viria
Do mesmo céu de onde veio;[2]
Mas do ventre de Maria,
Em meio a angústia e anseio,
É que Ele veio ao mundo!
Portanto, não me confundo:
“Céu” não é o de estrelas cheio.

“O Reino de Deus não vem
“Com aparência exterior”,[3]
Nos ensinaste também
Para evitar esta dor:
De se ser cego aos sinais
Que nunca são materiais:
É o mesmo céu anterior!

É um céu que não é céu,
Mas lugar desconhecido.
Coberto por denso véu,
Onde habita o Deus querido!
Puro Espírito é Deus,[4]
Portanto os Profetas Seus
Vêm de um “céu” que é escondido.

O corpo de Jesus, claro,
Nasceu do ventre da Pura,
Mas o Espírito, reparo
— o Verbo que salva e cura —,
Veio de onde não se sabe,
“Lugar” que no céu não cabe,
Que é só distância e lonjura...


Campinas, 09 de outubro de 2017


[1] Bahá’u’lláh, A Proclamação de Bahá’u’lláh, Epístola ao Papa Pio XIX — “Ele, em verdade, desceu outra vez do céu, assim como daí desceu a primeira vez. Guarda-te de disputar com Ele do mesmo modo como o fizeram os fariseus com Ele (Jesus), sem evidência clara ou prova alguma.” (AEM)
[2] Mateus 24:30 — “Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; e todas as tribos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.”
[3] Palavras de Jesus, Lucas 17:20.
[4] João 4:24Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.”




Viesses como Te esperam











Viesses como Te esperam,
Do que valeria a fé?
Os céus noutros tempos eram
Inalcançáveis até!
Agora — o tempo das dores —
Mil objetos voadores
Ocupam os céus; não é?

Por certo o céu de onde vens
É um céu mais altaneiro,
Pois a grandeza que tens
Não cabe no céu brejeiro.
Do céu da primeira vez[1]
É que desceste outra vez:[2]
Céu invisível, matreiro.

Deus é o Rei da pegadinha!
Testa o nosso entendimento,
Pois Jesus disse que vinha
(E veio!) do firmamento.
Mas o céu de Deus não é
O céu chinfrim e ralé
De sol, lua, estrela e vento...


Campinas, 25 de setembro de 2017


[1] João 6:38 — “Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” (AEM)
[2] Bahá’u’lláh, A Proclamação de Bahá’u’lláh, Epístola ao Papa Pio IX — “Ó Papa! Rompe os véus. Já veio aquele que é o Senhor dos Senhores, envolto em nuvens, e o decreto foi cumprido por Deus, o Todo-Poderoso, o Independente... Ele, em verdade, desceu outra vez do céu, assim como daí desceu a primeira vez.” (AEM)




Ai! como um ladrão na noite











Ai! como um ladrão na noite,
Ó Senhor, por que Te escondes?[1]
Por que da angústia o açoite,
Sem se saber quandos e ondes?
Ó nuvens, acaso O vistes?[2]
Estrelas! estais tão tristes!
Ó céus, que máscara pondes?[3]

Que mistério atrapalhado
A volta do bom Senhor.
Busquei-O por todo lado,
Procurei Seu resplendor.
Mas cada sinal Seu some,
Veio até com outro Nome![4]
(Clarins em surdo clangor...)

Como na primeira vinda,
Nada foi como esperado.[5]
Alguns esperam ainda
O Messias celebrado.[6]
Tu O buscas por aqui,
Mas Ele não ‘stá aqui;
Está ali, do outro lado...


Campinas, 12 de outubro de 2017
Para Shahbaz Fatheazam


[1] Mateus 24:42-44 — “Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor. Mas considerai isto: se o pai de família soubesse a que vigília da noite havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria que fosse arrombada a sua casa. Por isso, estai vós apercebidos também, porque o Filho do Homem há de vir à hora em que não penseis.”
[2] Mateus 24:30 — “e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.”
[3] Mateus 24:29 — “as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas.”
[4] Apocalipse 3:12 — “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu novo nome.” (AEM)
[5] As profecias do Antigo Testamento diziam que o Messias 1) viria de um lugar desconhecido, 2) sentaria no trono de Davi, 3) viria com um grande exército, 4) viria brandindo a espada da justiça. Nada disso se cumpriu ao pé da letra, mas tudo se cumpriu simbolicamente: 1) embora o corpo de Jesus viesse de Belém, o Verbo que era Sua verdadeira realidade vem de “lugar” incógnito; 2) o trono de Jesus era de um domínio celestial, não terreno, como Ele mesmo disse: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18:36); 3) o exército de Jesus não era um exército de soldados armados, mas sim de incontáveis almas puras que, ao longo dos séculos, com seu sangue e sua fé conquistaram o mundo; 4) a espada de Jesus era Sua Palavra, mais afiada que as espadas de aço, como Ele mesmo disse: “Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mateus 10:34)
[6] Os sacerdotes Judeus rejeitaram Jesus, e os judeus ainda esperam o Messias da Casa de Israel.





Aquela estrela no canto











Aquela estrela no canto
Piscou há pouco p’ra mim.
P’ra ela a tolice humana
É uma tragédia sem fim.
Galileu já lamentara
A interpretação ignara,
O entendimento chinfrim.[1]

As observáveis estrelas
Jamais podiam cair![2]
Seria até ofendê-las
Imaginar tal porvir.
Vão impassíveis no espaço,
Cingidas por Deus no abraço:
Por aqui não hão de vir.

Vem, estrelinha, revela
O símbolo bem oculto,
A metáfora tão bela:
O que cai em grande vulto
São os sacerdotes-guias:
São agora estrelas frias;
Eis o entendimento adulto.


Campinas, 05 de outubro de 2017
Para o Dr. Feizi Milani


[1] Galileu Galilei, Carta ao Padre Benedetto Castelli, 21/12/1613: — “[...] se bem que Escritura não possa errar, os seus intérpretes e expositores poderiam, entretanto, incorrer em por vezes em erros, e de várias maneiras. Entre esses erros, um seria gravíssimo e frequentíssimo, ocorrendo sempre que tais intérpretes quisessem ater-se ao mero significado das palavras, porque assim produziriam não só diversas contradições, mas graves heresias e também blasfêmias. [...] as Escrituras, ainda que ditadas pelo Espírito Santo, admitem, pelas aludidas razões, interpretações longínquas ao significado literal em muitos pontos.”
[2] Mateus 24:29 — “E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas.”




Quem poderia supor?











Quem poderia supor?
Os valorosos ipês
Enfrentam o frio com cor.
Roxos, amarelos... vês?
Quando o inverno nos ataca
Lá detrás daquela vaca
As flores erram de mês.

É agosto, não setembro,
E o inverno corre solto;
Vi manacás (já me lembro)
Floridos no ar revolto.
As paineiras iam rosas,
Bem-te-vis cantavam, prosas,
E eu em cobertas envolto...

A Natureza desperta
Antes que os homens o façam.
Quem é do universo a Meta
Tem cem mil véus que O disfarçam.
Mas todos, na Natureza,
Têm essência de pureza:
Seus sentidos não se embaçam.

Ah! Quando o homem for perfeito
(Ou somente for melhor),
Sentirá o mesmo efeito
Que as flores sabem de cor:
Predizem a primavera
Revestem-se de aquarela,
E louvam o Artista-Mor.


Barueri, HP, 16 de setembro de 2016




O que é de Deus vem pequeno











O que é de Deus vem pequeno,
Na fé e na Natureza:
No começo é um leve aceno,
Um sopro só de pureza.
Depois é que se agiganta,
Com glória potente e santa,
Com força e com realeza.

Abrir os céus e descer,
Baixar a Cidade alada...[1]
Não é este o proceder
Que ao nosso Senhor agrada.
Viera, disse, do céu; [2]
Mas céu era apenas véu,
Como a Sua Mãe sagrada.

Fica o fato, inapelável,
Fica a certeza certeira:
Do lugar inalcançável
De onde vieste a primeira,
Também desta vez voltaste... [3]
Seja isso o que nos baste
Para uma fé derradeira.


Campinas, 04 de outubro de 2017


[1] Apocalipse 21:2 — “E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido.”
[2] João 6:38 — “Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” (AEM)
[3] Bahá’u’lláh, A Proclamação de Bahá’u’lláh, Epístola ao Papa Pio IX — “Ó Papa! Rompe os véus. Já veio aquele que é o Senhor dos Senhores, envolto em nuvens, e o decreto foi cumprido por Deus, o Todo-Poderoso, o Independente... Ele, em verdade, desceu outra vez do céu, assim como daí desceu a primeira vez.” (AEM)



 
Senhor! Tanto me proteges











Senhor! Tanto me proteges
Do quanto eu nem sei que havia.
Tudo sabes, tudo reges,
Mas eu... descuidado eu ia...
Os males que desconheço
Tu os sabes pelo avesso!
Serena minha agonia!

Da boca da fera vil
Tu me salvas num relance.
Onde há perigos mil,
Guardas-me p’ra que eu avance.
Quem melhor me cuidaria
Nesta longa e triste via
Até que enfim eu descanse?

Tu te cobres de mil véus;
De bilhões! digo melhor.
Pois Teus céus não são Teus céus,
E o que é ainda pior:
Cumpres diferentemente
O que o homem, diligente,
Estuda e sabe de cor.

Tu me queres cego ao mundo
E vendo co’ coração.
Este céu de azul profundo
Não é o céu de onde vens, não.
Tu disseste que virias,
E um novo Nome terias...[1]
(Quem tem olhos, veja então!)


Campinas, 29 de setembro de 2017


[1] Apocalipse 3:12. — “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu novo nome.” (AEM)





Vejo as notícias diárias











Vejo as notícias diárias
P’ra saber se é o fim do mundo...
Desgraças, tragédias várias:
O mundo é um fosso profundo.
Por amor não mais se morre,
Se mata! E tudo que ocorre
É vil, desonesto e imundo.

Certamente já vivemos
Os tais dias do Juízo,
E os sinais nós já os vemos,
Sem pesquisar ser preciso.
O sol e a lua sumiram,
Tantas estrelas caíram, [1]
E o mundo perdeu o siso.

Mas o sol ainda brilha!
E a lua dá sua luz!
Eis a grande maravilha
Que o entendimento produz:
Sumiu o sol da Verdade
E a lua sem claridade
É a Justiça sem jus...[2]

Estrelas do firmamento!
Como seguis altaneiras?
Não é chegado o momento
De despencardes, certeiras?
Ai! As estrelas caídas
São as vergonhosas vidas
De clérigos em sujeiras.[3]


“O Reino de Deus não vem
“Com aparência exterior!”[4]
Assim ensinou tão bem,
Há tempos, nosso Senhor.
Quem busca sinais no céu
Esperará sempre ao léu,
Cheio de medo e de dor.[5]

O Dia de Deus já veio!
Na noite veio o Ladrão!
Já partiu-se a lua ao meio.
É tempo de provação.
Com os olhos contemplai!
Não com os da carne! Ai!
Mas sim co’os do coração...[6]


Barueri, HP, 11 de junho de 2015.


[1] Mateus 24:29 — E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas.”
[2] Bahá’u’lláh. O Kitáb-i-Iqán, p. 29. — “Indiscutivelmente, nas sucessivas Revelações, o “sol” e a “lua” dos ensinamentos, leis, mandamentos e proibições que se estabeleceram na Era precedente e que abrigaram o povo daquele tempo, obscurecem-se, isto é, estão esgotados e já não exercem sua influência.”
[3] Bahá’u’lláh. O Kitáb-i-Iqán, p. 29. — “Assim, pois, está claro e evidente que as palavras – “escurecer-se-á o sol, e a lua não dará a sua claridade e as estrelas cairão do céu” — se referem à perversidade dos sacerdotes e à anulação das leis firmemente estabelecidas pela Revelação Divina, tudo o que foi predito, em linguagem simbólica, pelo Manifestante de Deus.”
[4] Lucas 17:20.
[5] Bahá’u’lláh. O Kitáb-i-Iqán, p. 30 — “[O povo do Evangelho] Não acordou ainda para perceber que todos os sinais preditos já se manifestaram, que o prometido Sol se levantou sobre o horizonte da Revelação divina e o “sol” e a “lua” dos ensinamentos, das leis e da erudição de uma Era anterior já se tornaram obscuros e desapareceram.”
[6] Mateus 13:15 — “Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviu de mau grado com seus ouvidos e fechou os olhos, para que não veja com os olhos, e ouça com os ouvidos, e compreenda com o coração”.






O Dia de Deus chegou











O Dia de Deus chegou,
Mas todos ainda dormem…
A trombeta já soou
(E ‘inda querem que os informem?)
Sim! É de Deus este Dia!
Haja riso! Haja alegria!
('inda querem que os transformem?)[1]

Alguns em ira se explodem
Para matar inocentes;
Em prantos todos acodem...
(São ocorrências recentes.)
Se é o grande Dia em verdade,
Por que há tanta maldade?
(Confusas estão as mentes...)

Mas... se pensarmos bem certo,
Todo dia vem no escuro...
O dia de sol aberto
É um dia já maduro.
Sim! À meia-noite é hoje...
Não é ontem, não... é hoje!
Todo dia nasce obscuro...

E depois de muita noite
(Noite esta que é já dia),
A escuridão perde o açoite
E a alvorada irradia.
Luzes leitosas ao longe,
Na hora em que ora o monge.
Não é noite... nem é dia...


O pano do céu se aclara,
Bem devagar, na surdina...
A luz é escura, não clara...
Luz de noite que termina.
Muito depois, o sol nasce,
Definindo, assim, o impasse,
Demonstrando quem domina.

Não lastimemos as trevas,
Pois os pássaros já cantam!
(Ó Deus, meu Deus! Tu me elevas!)
Lumes as trevas suplantam...
É dia e é noite, assim.
É noite e é dia, sim!
(Com trinados que o garantam!)

Os pássaros, serão loucos?
Cantam p'ra noite ou p'ro dia?
Os homens, de ouvidos moucos,
Não ouvem sua euforia.
Perguntam por que, por quê
O cantar, se não se vê
No horizonte a luz bem fria?

Os pássaros cantam, sim,
Não pela luz que não veem,
Mas por sentirem que, enfim,
Termina a noite... pois creem!
Eles cantam a Promessa;
Sabem que no vice-versa
Noite vai e dia vem.

É o Dia de Deus, e o mundo,
Alucinado e demente,
Se perde a cada segundo:
Cruel, frio e impenitente...
Mas a Luz há de brilhar...
O Sol vai se levantar...
O grão Sol do Onipotente.


É assim, pois, este caso
Que parece tão confuso.
Desde a alvorada ao ocaso
É dia, mas inconcluso.
O Dia de Deus nasceu
Na noite que não morreu...
Façamos dele bom uso...


Campinas, 16 de julho de 2016


[1] Bahá’u’lláh. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh, nº VII. — “Em verdade digo, este é o Dia em que a humanidade pode contemplar a Face do Prometido e Lhe ouvir a Voz. O Chamado de Deus ergueu-se e a luz de Seu Semblante resplandeceu sobre os homens. É dever de cada um apagar da tábua de seu coração o traço de toda palavra vã e, com a mente aberta e imparcial, fixar os olhos nos sinais de Sua Revelação, nas provas de Sua Missão e nas evidências de Sua glória.
     “Grande, em verdade, é este Dia! As alusões que lhe são feitas em todas as Sagradas Escrituras como o Dia de Deus atestam sua grandeza. A alma de todo Profeta de Deus, de todo Mensageiro Divino, estava sequiosa de atingir este Dia maravilhoso. Todos os vários povos da terra também ansiaram por alcançá-lo. Mal, porém, o Sol de Sua Revelação se manifestara no céu da Vontade de Deus, quando todos, salvo aqueles a quem o Todo-Poderoso se dignou guiar, foram encontrados atônitos e negligentes.”




 
E quem responde ao chamado











E quem responde ao chamado
Da voz que provém do céu?
A voz do Senhor amado
Que fala de trás do véu?
Ai! Os ouvidos são surdos,
Os pensamentos, absurdos,
Trata-se de um povo incréu.

A voz do Arauto soou
Nos roseirais de Shiráz.[1]
O mundo se transformou;
Nasceu a era da paz.
O que fora prometido,
Em um tempo há muito ido,
Mostrou-se bom e veraz.

O próprio Criador veio
Para renovar o mundo.
O que era árido e feio
Virou um jardim fecundo.
Ele aceitou a prisão,
Tortura e humilhação,
Um sofrimento profundo...

O Wachet Auf de Bach[2] era
Indício do que viria:
Novo tempo, nova era,
Que a Voz do alto traria.
Mas os ouvidos são moucos;`
Os que escutam são tão poucos
(É sua a vera alegria!).


Barueri, HP, 05 de julho de 2016


[1] O Báb, o Arauto de Bahá’u’ll´ha, provinha da cidade persa (atual Irã) de Shiráz, famosa por seus roseirais.
[2] Cantata BWV 140, de Johann Sebastian Bach, intitulada Wachet Auf, Ruft Uns Die Stimme! (Despertai, pois a Voz nos chama!).




 
Aprendi a ouvir silêncios











Aprendi a ouvir silêncios
E a ver de olhos fechados.
Muitos silêncios. Silêncios
Ecoando em todos lados.
Quando busquei ser feliz
Foi que me fiz infeliz:
Suspiros amortalhados...

Os silêncios me disseram
Tanta coisa estranha e rara.
Os silêncios reverberam
O que a alma silenciara.
Um dia que esfria, e chove,
A sombra que não se move...
(E então choro... Não repara!)

Os silêncios falam tanto!
A escuridão mostra a trilha!
Surdo e cego, por enquanto,
E mudo como uma ilha.
Cego, surdo e mudo vou
No caminho que trilhou
Quem co’ sacro Verbo brilha.


Campinas, 13 de outubro de 2017




 
Dizes bem mais do que dizes











Dizes bem mais do que dizes
E Teus silêncios proclamam
A grã dor dos infelizes,
A ventura dos que amam.
Ao não dizeres, foi dito,
O blasfemo e o bendito
Que por serem ditos clamam.

Teu silêncio fala tanto!
Enche o universo de sons!
Fala ao riso, fala ao pranto,
Fala aos maus e fala aos bons...
Teu silêncio não existe!
No universo que esculpiste,
Teus sons são sempre ultrassons.

Mas falaste aqui na Terra,
Pela voz dos Teus Eleitos.
E, na verdade, não erra
Quem celebra Seus grãos feitos.
A Eles deste Tua voz
E, então, sofrimento atroz,
Vário nas dores e jeitos.

E sempre que Te calavas
Os céus falavam por Ti.
Se silentes são as lavas,
O vulcão já berra ali...
O que calaste, disseste;
O que disseste, calaste;
Nem faltou pingo num i...


Campinas, 03 de julho de 2016








Fiquei diante do espelho











Fiquei diante do espelho,
Tirei pelo das orelhas
(Tenho artrite num joelho...),
Se não podo as sobrancelhas
Ficam duas taturanas
Como as das bruxas insanas
Que fritam gente nas grelhas.

O ouvido está entupido;
Tenho sebinhos nas costas;
Meu joelho é dolorido:
Mil dores me são impostas.
O distúrbio bipolar
Erigiu em mim seu lar,
Partiu-me em partes opostas.

Faço aquilo que não quero[1]
E me entrego a devaneios.
Ai! e não faço o que eu quero,
E me encolho nos receios.
Se eu não pensasse, seria
Ou um verme, ou pedra fria,
Ou seres outros, bem feios.

Cada vez que me contemplo
Suspiro imensa tristeza...
Quem seguisse o meu exemplo
Mal findaria... é certeza!
Mas nos meus suspiros mil
Foi que a redenção se abriu:
Pude amar Tua Beleza...


Barueri, HP, 26 de outubro de 2016



[1] Cf. Romanos 7:19 — “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço.”




 
Não preciso olhar de novo











Não preciso olhar de novo
P’ra saber que vi o Sol.
Como pode tanto povo
Ser tão cego ao arrebol?
O Sol mesmo é sua prova;
Cada dia se renova,
Mas é sempre o mesmo Sol.

Quem amou o Sol de ontem
Que o de hoje também ame.
Nem precisa que lhe contem
Nem que o Sol mesmo lhe clame.
Só de ver o seu fulgor
Já nasce espontâneo amor:
Que importa como se chame?

Sim! Há que se amar a Luz,
Não a lâmpada onde brilhe.[1]
É um só Sol quem nos conduz,
Qualquer senda que se trilhe.
Ama-se o Sol! Sua Face!
O ponto vário onde nasce
Não tem Luz que lá rebrilhe.


Barueri, HP, 18 de maio de 2017


[1] ‘Abdu’l-Bahá, Paris, 10 de novembro de 1911: — A luz é boa, seja qual for a lâmpada em que brilhe”.




 
Temei a noite, vós todos!











Temei a noite, vós todos!
Sim! Temei-a, multidões!
A noite dos vis engodos;
A noite das decepções.
Não a do dia que acaba,
Mas a noite vera, diaba:
A noite dos corações.

Nas trevas d’alma, o amor
Sucumbe num grande abismo;
Fosso infinito de dor
Onde não chega o batismo.
Lá Deus é morto, bem morto...
Não há paz, não há conforto,
Só o caldeirão do egoísmo.

Temei as trevas da alma!
As há crentes ou ateias:
Nenhuma conhece a calma;
São violentas, são plebeias.
As trevas do desamor
Matam qualquer um que for
Incauto em suas aleias.

A noite devora gente...
Carnificina geral!
A noite do ego insistente:
Não sabe o que é bem ou mal.
É um monstro oco a rugir,
Só sabe, enfim, destruir...
Temei a noite ancestral!


Campinas, 07 de janeiro de 2017







Chove forte, chove belo!











Chove forte (chove belo!),
Como não fora parar.
Enfurno-me no castelo
Que flutua em pleno ar.
O Dilúvio cobre a terra,
A fúria de Deus não erra,
A terra é toda só mar.

Ai de quem aceita vero
O relato deste feito.
Um sentido mais sincero
Deve ser visto com jeito:
Como colocar na Arca
A Natureza, que abarca
Mil milhões... num barco estreito?

Há sentidos bem mais plenos
Do que a matéria vigente.
Há simbolismos amenos,
Sem afogar tanta gente:
As águas do sofrimento
Afogaram os mil centos
Sem a arca da fé na mente.


Barueri, HP, 09 de março de 2016




 O que dirá o futuro











O que dirá o futuro
Dos nossos dias confusos?
Cada dia nasce duro,
Com mal-estares difusos.
Como seria diverso,
Se o povo segue perverso
Os mesmos costumes e usos?

Seguir sempre os mesmos jeitos
E desejar melhoria
É um dos muitos defeitos
Deste mundo de hoje em dia.
A mudança necessária
Tem-lhe a preguiça contrária,
Ou então a rebeldia.

O que dirá o futuro
De nossos dias tristonhos?
Sendo o mundo belo e puro
Quem lembrará nossos sonhos?
Quem colhe a colheita esquece:
Toda faina que fizesse
Esvai-se em cenhos risonhos.

Quando se ergue a catedral
Olvidam-se as fundações.
Nada é mais natural:
Não caberia objeções.
Mas p’ra serem esquecidas
São firmes quando oprimidas,
Dispensam ostentações...


Barueri, HP, 20 de julho de 2016





 Fui ao tênis descuidado











Fui ao tênis descuidado
E o Cupido me flechou!
Do paredão, no outro lado,
Achei quem a bola achou.
Ma devolveu gentilmente
E a vida, dali em frente,
Em encantos me levou.

Ah! Que Cupido que nada!
O próprio Senhor do Amor
Me venceu na raquetada!
(E eu mal podia supor!)
Como superar no jogo
Quem é Luz e Vida e Fogo,
Senhor de todo esplendor?

Tua candura me fez ver
Um mundo que eu não sabia.
Sempre vou agradecer
À bola que lá se ia...
Se não fosse o teu sorriso,
Qual meu destino?... Impreciso...
(No tênis o céu havia...)[1]


Campinas, 02 de julho de 2016
Para Henri Vahdat, no dia de seu aniversário.



[1] Meu primeiro contato com a Fé de Bahá’u’lláh foi em um jogo de tênis, quando conheci Henri Vahdat, que me apresentou a Fé em um dia lindo de inverno, em julho de 1977.




Se eu fosse um bom jogador









 

Se eu fosse um bom jogador,
Não te havia conhecido!
Isso me deu o pendor
De ser muito agradecido
Não à perfeição, tão ela,
Mas à imperfeição, tão bela:
Veste tudo o que é nascido.

Se tênis eu bem jogasse,
Eu não perdia as bolinhas.
E ninguém que as encontrasse
Com o sorriso em que vinhas.
Ah! Por perder eu me achei!
E, na derrota, encontrei
As bênçãos que só são minhas!

Ah! Não é a perfeição
Que ampara, abençoa e salva!
Não é ela a intenção
Do Senhor da Estrela d’Alva.
Sim! Ele ama o imperfeito,
Encobre todo defeito,
Mesmo que a alma seja calva...


Campinas, 02 de julho de 2016
Para Henri Vahdat, no dia do seu aniversário.
 




Quem em Ti acreditou











Quem em Ti acreditou
Passou da morte para a vida.[1]
Porém, quem ressuscitou
Não enfrentara a partida.
Deve ser, pois, outra “morte”,
E outra “vida”, de outro porte:
Metáfora garantida.

Da morte p’ra vida vamos
Se vivemos com amor.[2]
Não é o lugar onde estamos
Que determina o que for:
Há os que aqui estão e são mortos,
Pois vivem seus dias tortos;
Mortos sem tirar nem pôr.

Os que vivem, por amar,
Vivem mesmo quando morrem.
E é fácil adivinhar
Os sentidos que decorrem:
Ressurreição é da alma,
Não do corpo (calma! calma!),
As Palavras nos socorrem:

“Deixa que os mortos enterrem
“Seus mortos”,[3] disse o Senhor.
Reclamem, gritem e berrem,
Argumentem o que for!
Não se tem escapatória:
A ressurreição em glória
Não é a de se supor.

Passamos da morte à vida
Quando amamos nosso irmão.
Sim, a morte a ser temida
Não é a do corpo são.
É a alma só que importa:
De nada vale ele não.[4]

A Ressurreição já veio,
E os mortos já levantaram.
Perambulam bem em meio
Desses que não despertaram.
Sair da morte do erro,
E do pecado o desterro,
Disso os Profetas falaram.


Para Pedro Ivo Generoso e Brenda Artuzi, no dia de seu casamento
Campinas-Brasília, 03 de novembro de 2017


[1] João 5:24 — “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida.”

[2] 1 João 3:14 — “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; quem não ama a seu irmão permanece na morte.”

[3] Lucas 9:59-60 — “E disse [Jesus] a outro [discípulo]: Segue-me. Mas ele respondeu: Senhor, deixa que primeiro eu vá enterrar meu pai. Mas Jesus lhe observou: Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos; porém tu, vai e anuncia o Reino de Deus.”

[4] João 6:63 — “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita”.






Que imenso és Tu, meu Deus











Que imenso és Tu, meu Deus,
Que não cabes no universo;
Mas dentro dos servos Teus
Cabes qual pequeno verso.
Ah! quanto eu disser de Ti
Tanto, por certo, menti:
Não és igual nem diverso.

Como és manifesto, Deus,
Que em tudo que há Te vejo!
Mas, Oculto dos ocultos,
Sinal Teu em vão almejo.
És Mistério de mistério,
És concreto e és etéreo:
O Bem pelo Qual arquejo.

Que enigma és, meu Deus,
Mistério envolto em segredo.
Mas Teus sacros versos vêm
Nesta terra de degredo.
Teus Santos sofrem por nós,
Por usarem Tua voz:
Os Senhores do vinhedo.

Que imenso és Tu, meu Deus!
Meu louvor tão fraco vai...
Acolhe-nos como Teus,
Que nossa alma se esvai.
Mistério, Enigma e Segredo,
Oh! quita de nós o medo:
Sê somente nosso Pai.


Campinas, 10 de setembro de 2019





Tanta tristeza, Senhor!











Tanta tristeza, Senhor!
Teus olhos, imperturbáveis.
Dentro e fora, pranto e dor,
E inda mais dores prováveis.
Por que não Te mexes, Deus,
A salvar os filhos Teus?
Onde Tuas mãos amáveis?

Quão impassível és, Deus!
Vê como nos lamentamos!
Somos mesmo filhos Teus?
Não Te aflige que soframos?
Só silêncio... Nada dizes...
Enquanto nós, infelizes,
Para a morte caminhamos.

Mas... no silêncio, um trovão!
E um corisco em minha alma!
Tudo faz sentido, então;
Minha mão, no ar, se espalma;
E cubro a luz que me cega,
E o som que desassossega
Dá-me o sentido que acalma.

“Por te amar e proteger”,
Diz uma voz no trovão,
“Imolei Meu santo Ser
“Quando andei por esse chão
“Que chamas de casa e lar
“Sem saber que esse lugar
“É morada da ilusão.”

Quando foi que nos vieste?
Onde encontrar os Teus passos?
Foi do Norte, Sul ou Leste?
Quem recebeu Teus abraços?
“Vim tão claro quanto a noite,
“Mas por tua incúria foi-te
“Impossível ver Meus traços.”

“Vim de onde não sabias,
“Em hora boa e incerta.
“Me acolheram almas frias,
“Co’a vista d’alma coberta.”
Mas, Senhor, não Te mostraste?
Certo, invisível, negaste
Aos homens a descoberta.

“Não! Bem visível Eu vim,
“Mas também bem disfarçado.
“Quem tivesse amor a Mim
“Ver-me-ia revelado.
“Mas aos olhos impostores
“Pareci cheio de dores,
“Não o grande Deus amado.”

Senhor, e quando foi isso,
Que Te deixamos passar?
É vero Teu compromisso
De sempre nos amparar?
“Por suposto, é verdadeiro,
“Tanto que sou o Ceifeiro
“E o que a vida pode dar.”

“Vim disfarçado de homem:
“O Verbo que pus no mundo.
“As Lâmpadas vêm e somem,
“Eis o mistério profundo.
“Todas Elas são Eu mesmo;
“E não vêm ao mundo a esmo:
“São a guia que difundo.”

“Sou um só, como o é o Sol,
“Mas Meus Raios não se contam.
“Cada um, como um farol,
“Os bons caminhos apontam.
“Sou todos Eles e não;
“A Eles dou a missão
“Que os bem cegos de alma afrontam.”

Se tão assíduo vieste,
Por que não curaste tudo?
Por que os ais da dor e a peste,
E todo homem cego e mudo?
Acaso faltou-Te tempo,
Ou tiveste um contratempo?
Mas já me calo, miúdo.

“Tanto dei, e do Meu Ser!
“A terra se iluminava!
“Mas não quis Eu resolver
“O que só a ti bastava
“Para arrumar esta vida,
“Esta estrada só de ida
“Que só guia precisava.”

“E por te guiar morri
“Mil mortes em mil sendeiros,
“Pois sempre que Eu vim a ti,
“Me imolavas, qual carneiro.
“Pensando que Me agradavas
“Tu somente te privavas
“De Me acolher por inteiro.”

Mas, Senhor, como vieste?
Sem glória, sem anjos, nada!?
E os sinais que Tu nos deste
De uma comoção alada?
Todos miramos o céu,
Ninguém querendo ser réu
Nem ter a alma julgada.

“Do céu Eu disse que vinha,[1]
“Dali disse que viria.[2]
“Acaso não se adivinha
“O bom sentido que guia?
“Se Eu antes não vim do céu,[3]
“Como quer o povo incréu
“Que agora eu use esta via?”

“Se do céu Eu não desci
“Na primeira vez que vim,
(“Mas disse que vim dali
(“E foi registrado assim),
“É de outro céu que falei,
“Um céu no qual Eu sou rei,
“Um céu sem tempo e sem fim.”

“Se fora do céu visível
“Que Eu tivesse descido,
“Como seria possível
“Ter de Minha Mãe nascido?[4]
“E entretanto Eu desci
“Não deste céu dali,
“Mas de um céu mais escondido.”

“Um céu que somente é visto
“C’os olhos do coração.
“Um céu onde Eu próprio, Cristo,
“Aceno co’a salvação.
“Aquele que Me quer ver
“Antes precisa entender
“Que olhar para o céu é vão.”

Senhor! mas o Sol e a Lua
Que iam ficar escuros?
E até cada estrela nua
Cairia dos céus tão puros?
As bases do firmamento
Se abalariam no Advento,
No Teu Advento futuro.

“Se o céu é só uma imagem,
“Tudo o mais nele, também.
“O céu concreto é bobagem:
“Deste céu Deus nunca vem.
“O que se vê é mortal,
“O que não, é imortal:[5]
“Não se vê o céu do Além.”

E as nuvens nas quais virias
Com todo olho a Te ver?
Tu acaso me dirias
Não mais que imagens só ser?
“Por certo, assim como o olho!
“Desta maneira é que escolho
“Quem tem olhos para crer.”[6]

“Eu disse, em igual teor:
“O Reino de Deus não vem
“Com aparência exterior.[7]
“É bem certo que se alguém
“Vir de forma material
“O que é só espiritual
“Jamais entrará no Além.”

“Falo por símbolos, sim,
“Para testar corações.
“Quem compreende vem a Mim;
“Venceu, do ego, as paixões.
“Mas quem com olhos mundanos
“Quer entender os Meus planos,
“Já se perde em confusões.”

“Não vem o Reino de Deus
“Com aparência exterior.[8]
“Que querem os filhos Meus
“Que mais claro Eu possa expor?
“Fechem a vista enganosa
“E abram a maravilhosa,
“Que contempla o seu Senhor.”

“A vista material vê
“Apenas o que perece;
“Só o que é mortal, porque
“Vê só o que desaparece.
“Os olhos do coração
“Veem outra dimensão:
“Enxergam co’a luz da prece.”

Entendo, Senhor, então,
Que quiseste prevenir
A dor e destruição
Como nos trouxe o porvir:
Vieste nos ensinar
Os caminhos a trilhar
Para a dança, o canto e o rir.

Por símbolos sei que falas,
Pois é linguagem eterna;
Desta forma é que assinalas
Tua intenção, que governa.
A metáfora transcende,
A letra cerceia e prende,
Perde o senso e desgoverna.

Se nos é um dissabor
A metáfora, que acalma,
É por nossa grande dor:
Somos mais corpo que alma.
E assim corpóreos, tão brutos,
Não temos, da fé, os frutos,
Nem do entendimento, a palma.


Campinas, 21 de setembro de 2018



[1] João 6:38 — “Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.”
[2] Mateus 24:30 — “Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; e todas as tribos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.”
[3] João 6:41–42 — “Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desceu do céu. E diziam: Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: Desci do céu?”
[4] João 6:42 — “Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos?”
[5] II Coríntios 4:18 — “não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.”
[6] Mateus 13:15 — “Pois o coração deste povo se tornou insensível; de má vontade ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos. Se assim não fosse, poderiam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, entender com o coração e converter-se, e eu os curaria’.”
[7] Lucas 17:20 — “O Reino de Deus não vem com aparência exterior.”
[8] Id. Ibid.




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