Luis Henrique
Beust
Dies Domini
D i a d o S e n h o r
Dies Amoris
D i a d e A m o r
Poesias
Celebração do Bicentenário
do Nascimento
de Bahá’u’lláh
de Bahá’u’lláh
(1817–2017)
e do Báb
(1819–2019)
Capítulo 7
Tristezâncias
Meu peito, outra vez, se agita
Meu peito, outra vez, se agita.
Vem a dor ao meu encontro...
O micro-ondas apita:
Meu almoço ficou pronto...
São Paulo, 23 de abril de 2011
Agora que esta dor me abandonou
Dá-me outra, ligeiro, dá-me outra!
Assim como o navio que naufragou
As areias do fundo sempre encontra,
Meu coração sofrido foi ao fundo
E deixou para trás toda esperança.
Sorrisos incontáveis há no mundo,
Mas nenhum eu ganhei de boa herança.
Aprendi a sorrir em meio à dor,
Em cada chibatada, um bom sabor.
Meu sofrimento é minha vil bonança.
São Paulo, HP, 30 de outubro de 2014
Chove uma chuva diluviana;
O céu é de um cinza aterrador.
A morte está perto, não me engana!
Sei que há de agarrar-me como for...
O tempo passa triste e bem lento
Como os cachorros tristes ao vento
Nas rodoviárias do interior.
Itatiba, 16 de janeiro de 2012
Dá-me uma poesia clara,
E as outras eu jogo fora!
Uma poesia assim sara.
Ó Deus! dá-me-a, dá-me-a agora!
Preciso deste consolo!
(Oh! suspiro como um tolo!)
Sem parar, minh’alma chora.
São Paulo, 23 de abril de 2011
Estou com pena de mim...
Sei que isso não é bom.
Afinal, não é o fim...
Preciso mudar de tom.
A vida oferece a dança!
Avança, meu peito, avança!
Recebe, da vida, o dom.
Larga tua dor e a lembrança...
São Paulo, 18 de abril de 2011
Na praia da minha infância
Havia dunas
de areia.
Jaz tão
longe, na distância,
— Mítica,
como sereia.
Tenho esta
mitologia
De mim mesmo
e meu passado:
Era alegre,
se podia,
Em meio à
melancolia
De me sentir
sempre errado.
Santa
Terezinha, 19 de dezembro de 2009
Não me calhou a ventura
De ser sábio, belo e forte.
Mesmo a virtude madura,
Não a tomei como norte.
Erros a trançar mais erros
Fizeram muitos enterros:
Morri bem mais que uma morte...
Para Paulo Roberto de Araripe Sucupira.
São Paulo, 11 de abril de 2011
São Paulo, 11 de abril de 2011
Por ali. Não! Por ali!
Por acolá!
D’outro lado!
De relance,
percebi
O
anjo-da-guarda calado.
Sem coragem,
o deixei...
Segui
fingindo ser rei
Do meu
dolorido fado...
São Paulo,
12 de junho de 2012
Nem nos meus mais loucos sonhos
Me preparei para a vida,
Com seus reveses medonhos,
Com sua sina bem sofrida.
Como Édipo, fugia...
Cada fuga me trazia
Do triste fado a investida...[1]
Para Paulo Roberto de Araripe Sucupira.
São Paulo, 11 de abril de 2011
São Paulo, 11 de abril de 2011
[1] Édipo, no mito grego, foge do oráculo de que
assassinará o pai e casará com a mãe. A fuga o leva a cumprir exatamente o que
fora previsto.
O que ainda vale a pena?
O que deixo para lá?
A alegria já me acena;
A tristeza vejo eu cá.
O que retenho, o que deixo
De tudo o que me passou?
Das tristezas, não me queixo,
Mas e a alegria... Bastou?
O que largo, o que seguro
Das tramas do meu destino?
Retenho o verso mais puro —
O resto é só desatino...
São Paulo, 23 de abril de 2011
O tempo todo estou triste
E fico
fitando o chão...
Calei-me,
como pediste,
Mas não cala
o coração.
Uma dor
fininha vem,
E mais logo
outra também,
Na minh’alma
em confusão.
Para Paulo Roberto de Araripe Sucupira.
São Paulo – Uberlândia, 09 de junho de 2010
São Paulo – Uberlândia, 09 de junho de 2010
Tempo nublado por dentro,
Com chuvas e vendaval.
Há um furacão em meu centro...
(Para o bem ou para o mal?)
Os ventos que vêm agora,
Sacudindo a existência,
Nasceram longe, e outrora
Eram só brisa... Paciência...
Agora ferem meu ser!
Como queria esquecer
O que me vem à consciência!
Beber, do Lete, suas águas;
Entregar-me ao bom olvido:
Fenecem dores e mágoas...
(O passado é resolvido.)
E a alma, assim deslembrada,
Já divisa a alvorada
Do meu coração remido.
Barueri, HP, 30 de setembro de 2015
Se expresso os meus sentimentos?
Se os expresso, sei que minto.
Como dizer os eventos
Confusos que n’alma sinto?
Tristeza, lá, não tem nome;
Ventura é um ai que some;
Linguagem é labirinto...
Campinas, 08 de abril de 2015
Só. Assim me sinto: só.
O mundo parece um sonho
De enredo vil e tristonho,
De dar pena, de dar dó.
Ah! O que é real me escapa,
O concreto se esfarrapa...
O mundo é um circo bisonho!
... e em minha garganta, um nó...
São Paulo, 18 de abril de 2011
Transformo dor em poesia,
P’ra vida não ser só dor.
Não adianta a rebeldia
Ante o Destino (o Senhor!)...
Eu me calo, cabisbaixo,
Chagas abertas enfaixo;
Mas a vida... onde pôr?
Para Paulo Roberto de Araripe Sucupira.
São Paulo, 11 de abril de 2011
São Paulo, 11 de abril de 2011
Vem, olvido! Vem, olvido!
E apaga toda lembrança!
Com bem e mal esquecido
Talvez me venha bonança...
Mas o torpor me consome,
E a memória não não some
Para me dar esperança...
Para Paulo Roberto de Araripe Sucupira.
São Paulo, 11 de abril de 2011
São Paulo, 11 de abril de 2011
E como seguir sem querer ninguém?
De onde tirar consolo para a vida?
O amor é uma mentira que convém;
Não há qualquer remédio, nem saída.
Mas o amor é gangorra, é vai-e-vem.
Ele a toda tolice dá guarida!
O amor nos deixa loucos, com ou sem;
Sim... deixa a vida negra... e colorida...
Nas tristezas da vida, a transbordar,
No negrume, é bem bom de alguém gostar
P’ra alguma luz na vida contrapor.
É impossível co’amor não mais flertar.
As juras de não mais querer amar
Ah! são tão falsas quanto as tais de amor.
Para Nereida Manzoli.
São Paulo, 21 de abril de 2017
São Paulo, 21 de abril de 2017
Se as promessas dos amantes
Fizessem girar os mundos,
Então em breves instantes
De terrores nauseabundos,
As esferas parariam
Em cósmico desacerto!
Os mundos colapsariam
Sem solução ou conserto...
Há coisa mais insegura
Que as grandes juras de amor?
Mas com que desenvoltura
São expressadas! Que horror!
Não! Finquem os céus o lastro
Em coisas mais confiáveis.
Mesmo feitas de alabastro,
Juras de amor são instáveis.
Ah! Já nascem mentirosas,
Mas sempre soam gentis.
Cuida! Palavras dengosas
Te enredam quando sorris.
São Paulo, 21 de abril de 2011
Ninguém sabe quanta dor
Se esconde atrás de um sorriso.
Se o poeta é um fingidor,
Só finge porque é preciso.
Ninguém sabe a dor veraz
Que, dos véus, se esconde atrás:
Conhecê-la rouba o siso.
A dor oculta lateja
E anseia por redenção.
Porém não há quem a veja,
D’alma, no escuro porão.
O poeta a reinventa
E em metamorfose lenta
A expressa como ilusão.
Uma ilusão sobranceira
Que causa vera impressão,
Pois, mais que a dor verdadeira,
Ela fala ao coração.
A vera dor fica oculta
E, aos olhos da gente inculta,
Num sorrir não há dor não.
Para Eduardo Santos.
Campinas, Santander – Barueri, HP, 18 de maio de 2017
Campinas, Santander – Barueri, HP, 18 de maio de 2017
Eu peço que a alma reflita
E que me conceda uma luz.
Para baixo, basta a desdita;
Para cima, o que nos conduz?
Ah! Aos sofrimentos que eu tive
Com certeza eu fiz todo jus.
E talvez, quem sabe, inclusive,
Recebi bem mais do que pus.
O azar me pegou bem de assalto;
A justiça é cega, é bem cega.
Estico meu braço pro alto,
Minha mão nenhum anjo pega.
Não... deixa, minh’alma, desiste!
Não precisas nada explicar.
Siga eu, no mundo, bem triste,
Por essa tristeza de amar.
São Paulo, 23 de abril de 2011
Então nunca mais te vi...
Mas divisava teu vulto.
Por onde fui e segui
Tu me seguias, oculto.
Ou eu te seguia? Sim!
Pois era eu o fantasma,
O espectro. Ai de mim!
Minh’alma assustada e pasma.
Vago por caminhos tortos,
Teu rosto, só esperança.
Sou como os amantes mortos;
Resta só a aliança...
Por que sumiste, e sumi?
Por que partiste, e parti?
Onde encontrar a bonança?
Campinas, 27 de julho de 2015
Foi-se o último pistache
Dos quantos me deste, amigo.
‘Inda que a dor eu despache,
Dói não mais estar contigo.
Como um corisco no céu
Rompe, das nuvens, o véu,
Rompeste o véu do inimigo.
O inimigo Desalento
Combatias com sorrisos!
E irrestrito como o vento
Em velames indecisos,
Sopravas firme a esperança
E apontavas à bonança,
Ao júbilo, à festa, aos risos.
Por que te apressaste assim?
Era a vida assim tão lenta?
Te foste de nós... de mim...
E a saudade me atormenta.
Mas... enfim... o fato é feito...
Ai! E, ainda que imperfeito,
O vento, irrestrito, venta...
Para Soheil Shahid, in memoriam.
Campinas, 25 de dezembro de 2015
Campinas, 25 de dezembro de 2015
Minhas poesias são tristes?
Não se poema a alegria!
—
Sim, claro que sim! — tu insistes
— Para o
que, então serviria?—
Eu te conto
o grão segredo:
É para
espantar o medo
Que se
inventou a poesia!
Ela põe
ordem no caos:
Por isso a
métrica e a rima.
Entre os mil
confusos taos,[1]
Ela faz um
que se estima.
Um caminho
de bondade
(Quiçá de
pura verdade),
Coberto de
musgo em cima.
—
A poesia, então, não ri? —
E eu tenho
de dizer: Não!
No máximo
ela sorri
C’os olhos
fitos no chão.
Eis outro
segredo, escuta:
A poesia se
transmuta:
Poesia
alegre é... canção!
Para minha irmã Ana Cristina (Neca).
Campinas, 1º de janeiro de 2016.
Campinas, 1º de janeiro de 2016.
Na calçada, o rapaz corre;
O relógio nunca para.
Paixão de amor cedo morre;
O vento me sopra a cara.
Estripulias da vida!
Momentos de mil belezas!
Uma jornada de ida
Rumo às supremas levezas.
O moço agora caminha,
O relógio tique-taca.
Salvarei a alma minha
Do demônio que me ataca?
O vento é fresco e gostoso;
A alma geme, assustada.
Viver é bem perigoso![1]
(Passa boi, passa boiada...)
Mas deve haver um remédio
Para lágrima e soluço,
Para da dor o assédio...
Vou buscar! E a mente aguço!
Mas o tempo corre igual,
Para o bem ou para o mal...
E eu espirro, e engasgo, e tusso.
Barueri, HP, 30 de setembro de 2015
Não me leves tão a sério!
Poesia é feita de extremos,
Assim se faz seu mistério:
Aumenta o mal que sofremos,
Mas aumenta a alegria:
Mundos novos ela cria
Para os mundos que perdemos.
Não creias em todo verso,
Como fora o derradeiro.
Às vezes diz ele o inverso
Do que penso verdadeiro.
Pessoa[1]
já denunciou
Os enganos que te dou;
Não me tenhas por certeiro.
“O poeta é um fingidor.
“Finge tão completamente,
“Que chega a fingir que é dor
“A dor que deveras sente.”[2]
São, portanto, fingimentos
Todos os meus sentimentos;
O que é vero é insuficiente.
Barueri, HP, 02 de março de 2016
Para Milton Mandel
Nem mais poemar consigo!
Meu coração se perdeu
No mundo; em vão, busca abrigo:
Um canto que seja seu.
Em qualquer lugar que chego
Não acho ali aconchego,
Minha esperança morreu.
As lágrimas que eu derramo
São quase diluviais.
Mesmo aqueles a quem amo
Já não suportam meus ais.
Queria sumir de pronto,
Inexistir! nem te conto!
Posso ir p’ra onde vais?
Ah! já sei! não te apetece
Companhia dolorida.
Geralmente é o que acontece
Quando a alma quer guarida.
Só lhe resta um ombro amigo:
O ombro do Ser antigo,
Que lhe dá e tira a vida.
São Paulo, 23 de abril de 2011
Tua ausência me acompanha
Por estas terras
distantes...
Por aqui fez-se a
façanha
De se ter o que
era antes:
Catedrais, arcos,
muralhas;
E o constante som
das gralhas
A advertir os
amantes...
O amor é coisa
sagrada
P’ra se perder
neste mundo;
Nele a alma é
transportada
Para além do feio
e imundo.
Sim! No amor há
transcendência
Que supera a vã
ciência
Do cogitar mais
profundo.
Ai! O amor é o
que nos resta
Quando tudo o
mais já era...
Vindo dos céus,
numa fresta,
Espanta como
quimera!
A catedral lá em
frente
É sinal vivo, não
mente:
O que vem do amor
impera!
Para Paulo Roberto Sucupira, que também gosta do velho como eu.
Laon — Campinas, 16 de junho de 2016
Laon — Campinas, 16 de junho de 2016
As nuvens têm forro d’ouro,
Não de prata, como falam.[1]
Carregam feliz agouro
Aos que na vida resvalam.
Por trás delas há promessa
(Mas Deus só urge sem pressa);[2]
Do porvir as nuvens calam.
As nuvens mostram e escondem
Quanto vai no céu sublime.
Por mais que todos as sondem,
Há um segredo que as comprime.
De trás delas há o Sol,
E a promessa do arrebol;
A Luz que salva e redime.
Por que as nuvens, então?
E não só o sol a pino?
Sem nuvens, o coração
Não pode entoar seu hino:
Também precisa da chuva,
Que, com o sol, coadjuva
Neste mistério divino.
Campinas, 12 de agosto de 2017
Beijei as chagas que abriste.
Sinto falta do Teu jugo.
Não sei por que decidiste
Querer de mim o refugo.
Meu viver é um suspirar:
E doer, sofrer, penar
São os verbos que conjugo.
Quem me olha me vê triste,
Num ser e não ser dorido.
Em ondas, a dor insiste;
Tivesse eu nela ‘ntes crido.
Fustiguei minhas memórias
Em busca d’outras histórias,
Ah! outro tivesse eu sido...
Suspirei tão tristemente
Que eu mesmo fiquei com pena.
Mas veio-me a luz à mente:
Minh’alma não é pequena![1]
Coleciono, então, as chagas
Com as quais Tu bem me afagas:
Recebo-as de alma serena.
Barueri, HP, 18 de maio de 2017
Bem trágica foi-me a vida
Mas... calemos a tragédia.
Logo virá a partida
Que encerra a dor e a comédia.
Ah! Do Lete[1]
eu sorverei,
Letra a letra esquecerei
De mi’a dor a enciclopédia.
Minha vida foi bem triste
Mas... calemos a tristeza.
Um anjo passou... (tu viste?)
Suavizando a aspereza.
A vida então será larga,
Livre, já, da mortal carga,
Liberta desta estreiteza.
Minha vida foi sombria:
Mas nada falo do escuro.
Se de um lado o Sol se ia,
Do outro, nascia puro.
No lusco-fusco da vida
Meu Senhor me deu guarida,
E promessa de futuro.
Barueri, HP, 17/4/2017
[1] Lete (ou Lethe) é um dos mitológicos rios do
Hades grego (o mundo inferior, ou inferno). Ao se beber de suas águas
recebia-se a bênção do esquecimento (dos erros passados).
Choveu bonito e comprido;
Choveu pingado e sem pressa.
Para um amor dolorido,
A chuva é como compressa:
Sossega a dor prolongada,
Serena a alma agastada,
Acena nova promessa.
Mas estas gotas que caem
Teriam que ser eternas,
Pois tantas vidas se esvaem
Sem coisas belas e ternas.
Vidas brutas e perdidas,
Que nem chegam a ser vidas,
Longe das Luzes supernas.
Choveu pingado e sem pressa,
Choveu bonito e comprido.
E o ar que a chuva atravessa
Já chora, bem comovido.
O pranto universal cura
A dor em cada alma pura:
Dor sem marca e sem ruído.
Barueri, HP, 31 de maio de 2017
De Natal, ganhei as chuvas
E um céu de nuvens esparsas.
Vejo a trilha das saúvas,
No céu imagino garças...
Um suspiro que não sai;
A lembrança de meu pai;
Vem cá; por que não me abraças?
No Natal estive só...
O presente que eu queria
No embrulho de dor e dó,
Ganhei quando eu não sabia.
A chuva canta bem mansa,
No céu troveja a esperança
Que Pandora[1]
descobria.
A tristezinha é alegre,
Os verdes se fazem densos;
O coração é um casebre
De dor e saudade intensos.
Também chove dentro em mim...
Os Natais de antanho — sim!
Mágicos! Puros! Imensos!
Campinas, 25 de dezembro de 2015
[1] No mito grego, Pandora abriu a jarra de
dentro da qual todos os males saíram. Mas ela conseguiu fechar a tampa antes
que fugisse seu último conteúdo: a esperança.
Durmo p’ra não ficar louco,
Os dias são pesadelo!
O sonho concede um pouco
De eu ser um anjo, sem sê-lo.
De dia tenho receios,
Tenho metas, não os meios;
E a rotina em atropelo.
Os dias demais me assustam
Com desvirtudes e dores;
As horas, a passar, custam;
Esqueço bênçãos e amores.
Este lúcido mistério
Da vida me quer bem sério:
Contemplo meus estertores.
Mas quando o senso da vida
Já me escapa por um fio:
Eu acolho a dor sofrida,
Seguro o ai que insistiu.
E, redento em minha dor,
Já me coloco ao dispor
Da vida, que prosseguiu.
Barueri, HP, 31 de julho de 2017
Empresta-me teu sorriso,
Pois eu cansei de chorar.
Sim, navegar é preciso:[1]
Há que pôr velas, singrar.
E a cada vento que vem,
A vela o aproveita bem.
É preciso navegar...
Sim! Viver é perigoso,[2]
Com vento de todo lado.
Quem se entrega ao riso e ao gozo
Já vê o barco parado.
Só navega quem confia
Nos ventos de cada dia,
Quem não anda descuidado.
Teu sorriso, vem, me cede!
Pois quero provar sorrir.
Quem só um sorriso pede
Tem ganas de prosseguir:
Não importa mar e vento,
Não virá o desalento
Que causava o desistir.
Barueri, HP, 18 de maio de 2017
[1] No século I a.c., o general romano Pompeu,
encorajava marinheiros receosos, inaugurando a frase “Navigare necesse, vivere
non est necesse.” No século XIV o poeta italiano Petrarca aproveitou a
expressão, de onde nos veio o “Navegar
é preciso, viver não é preciso.”
[2] Refrão de Riobaldo, ao longo do magnífico Grande Sertão: Veredas, de João
Guimarães Rosa.
Fico aqui parado, ausente...
Não sei por onde andaria...
Não estou mais no presente:
Por um não-tempo eu seguia;
E é num não-lugar que estou,
E esta onda que voltou
É uma onda que não ia...
Tudo se desintegrou...
Nada tem mais consistência...
Se a consciência me restou?
Acho que sou só consciência...
Sem corpo, sem eu, sem nada;
Só uma lembrança apagada
Do que não teve existência...
O que fui? Quem fui? Quem dera
Responder a tais questões.
Era um anjo? uma quimera?
Ser de outras dimensões?
Se nada sou, nada fui...
Sim... isso a razão conclui:
Meu não-ser aos borbotões...
Campinas, 28 de dezembro de 2015
Tudo sempre recomeça?
Ou tudo só continua?
Haverá dor que se impeça?
(Onde anda a sobra tua?)
Quem me roubou a saudade?
Tentei vestir a Verdade,
Mas ela quis ir-se nua...
A Wachet
Auf[1]
é sublime:
Junta a terra ao céu sem medo!
Nele a alma se redime;
O Paraíso vem cedo.
E a quadratura da roda?
E o soluço que incomoda?
Na vida não falta enredo...
Cadê teus olhos, avó?
Avô, cadê tuas mãos?
Restou-me um sorriso, só;
Meus juízos não são sãos!
Onde fostes, pirilampos?
(Foram-se febres, sarampos,
(Desconheci meus irmãos...)
Campinas, 28 de dezembro de 2015
[1] Wachet auf, ruft uns die Stimme (Despertai, a Voz nos Chama): Cantata BWV 140, de Johann
Sebastian Bach.
Nem mais poemar consigo!
Meu coração se perdeu
No mundo, em vão, busca abrigo:
Um canto que seja seu.
Em qualquer lugar que chego,
Lá eu não acho aconchego,
Minha esperança morreu...
As lágrimas que eu derramo
São quase diluviais.
Mesmo aqueles que eu amo
Já não suportam meus ais.
Queria sumir de pronto,
Inexistir! (Nem te conto!)
Posso ir p’ra onde vais?
Ah! já sei! não te apetece
Companhia dolorida...
Geralmente é o que acontece
Quando a alma quer guarida...
Só lhe resta um ombro amigo:
O ombro do Ser Antigo
Que lhe dá e tira a vida.
São Paulo, 23 de abril de 2011
Meus filhos não le’m poesia...
Quiçá meus netos, talvez?
Da rima a vã alegria
Aprenderão certa vez?
A poesia é bem pensada,
Mas se mostra descuidada
Como a Obra que Deus fez.
A poesia diz com pouco
O que com muito é impossível.
É obra de quase um louco
A retratar o invisível.
A poesia é primavera,
Assombração e quimera
Para um coração sensível.
Quem lerá, pois, os meus versos?
Ficarão ao léu jogados?
São multiformes, diversos,
Fractais por todos lados.
Ficarão soltos ao vento,
Sem qualquer meta ou intento,
Perdidos, mudos, jogados?
Florianópolis, 20 de fevereiro de 2016
Se sofri ou não sofri?
Disso não tenho inventário!
Quem chora sabe que ri
Melhor o retardatário.
Quem ri, sempre teme a pena
E, sem saber, se condena
À tortura de um calvário.
Por quê? Pelo medo... ali...
Pois temer a dor é dor,
E teme a dor quem só ri,
Fingindo rir-se da dor...
Venha a dor, pesada, inteira,
Não a dor de fim-de-feira,
Sem colorido ou sabor.
Ah! A morte, a dor maior,
Não é dor, mas pura bênção!
Nem preciso um sábio-mor,
Ou provas que me convençam...
Sofrendo lembro de Ti!
Se sofri? Já esqueci!
Não é o que as pessoas pensam...
Campinas, 03 de julho de 2016
O dia recém começa
E o cansaço já me oprime.
P’ra onde vou com tanta pressa?
Do que fujo? qual meu crime?
É meu cansaço de ser!
Cansaço que só morrer
Desmancha, cura e redime.
Esta vida é de tropeços,
De desatinos, paixões.
Somos só nossos avessos,
Nas lides e confusões.
Eu busco a paz que me falta
Enquanto o guri peralta
Ri ao pular os portões.
Um avião sobe, ao longe,
E nem sei p’ra onde vai.
Vão nele um herói e um monge
(É certo que este não cai).
Eu me queria altaneiro,
Renovado por inteiro...
Cansado, suspiro um ai...
Campinas, 28 de julho de 2017
Vou viajar e estou triste
Com uma tristeza assim:
Que lateja, dói e insiste;
Há neblinas dentro em mim.
Como a serração, na serra,
Contra a visão faz a guerra,
A um palmo vejo o fim.
Tantos passam por aqui...
O mundo é cheio de gente!
Ninguém sabe o que eu sofri
Nem vê minh’alma dolente.
Quero voltar! Ir p’ra casa!
Mas a vida não se atrasa;
Corre impassível p’ra frente.
Todos falam tanto, tanto,
E as malas passam rodando.
Ninguém vê meu quieto pranto
(Quando terminará? Quando?).
Quando virá a quietude?
Quando terei a virtude
De ser bem feliz, ah, quando?
Guarulhos, aeroporto de Cumbica, 27 de abril
de 2016
Viagem para Frankfurt.
O que passou ali adiante?
Foi meu suspiro de espanto!
Ah! Mas quem não me garante
Que um fantasma em alvo manto
Não passou lá apressado
Rumo ao seu lar no passado?
(O presente assusta tanto!)
Chartres: repleta de seres
De ambos os lados do véu:
Os cá cheios de afazeres,
E os que desfrutam do céu…
Sim! Chartres é o limiar
De dois mundos a pulsar:
O penitente e o incréu.
O que foi lá?… uma sombra!
Era minha?… Deste mundo?…
Ai! a catedral me assombra
Com seu mistério profundo!
Pois aqui as pedras falam…
Enquanto meus lábios calam
No silêncio em que me afundo.
Para Thayline e André Danesh Beust.
Chartres – Campinas, 16 de junho de 2016
Chartres – Campinas, 16 de junho de 2016
Se triste, eu faço poesia;
Se alegre, ela é que me faz.
Não tem qualquer serventia
A poesia que traz paz.
Ah! Poesia é grito d’alma,
Por ganhar da dor a palma,
A morte beijando, audaz.
Não concebo verso alegre,
Só aqueles enlutados,
Ou o que a alegria integre
Com sorrisos descartados.
A poesia é só lamúria
Pela vida só de injúria
Que vivemos encarnados.
De Aliguieri os belos cantos
São enfadonhos no Céu.
Já o Inferno e o Limbo tantos
Castigos e fogaréu
Estimulam os sentidos
Por não mostrar os remidos,
Mas os ais do povo incréu.
Barueri, HP, 09 de março de 2016
Os ipês zombam do frio
Com seus roxos e amarelos.
Entre o cinza doentio,
Rebrilham ‘inda mais belos.
Florescem em pleno inverno:
Colorido meigo e terno
Em ramos nobres, singelos.
Quisera eu ser assim
Nos invernos desta vida:
Quem olhasse para mim
Não via a angústia sofrida.
Por fora, todo sorrisos,
Mesmo em tempos imprecisos:
Mirada firme e erguida.
Tanto tenho que aprender
Nas lições da Natureza:
O não-ser, ser e não-ser,
Mostra a vida com justeza...
Tudo passa; nada é vão;
Por isso celebro, então,
Dos ipês sua beleza...
Barueri, HP, 14 de setembro de 2016
Quisera ser inocente,
Quisera ter culpa, não;
Mas minh’alma já pressente:
Suspiro por isso em vão.
Meu Deus! eu quero ser puro,
Mas como o diamante duro,
Resisto à lapidação.
Diamante que é diamante
Só se deixa lapidar
Por um outro semelhante,
Que o poderá desbastar.
Por sorte Deus é bem duro
E me pode fazer puro
Co’as dores que sabe dar.
Reclama a planta da poda,
Reclama a terra do arado.
Sofrer não está na moda,
Deixa o povo bem irado.
Mas bem sei, se não descuro
O desejo de ser puro,
Sou da dor necessitado.
Sim! Há dois tipos de dores:
Uma é sombria e bem triste,
Traz, da morte, os extertores;
Mas a dor da vida existe!
Se de gritos se enche o quarto,
É porque se faz um parto...
Pois a dor dá vida... viste?!?
Barueri, HP, 21 de setembro de 2016
Deus! A flor que ali se abre
Transforma água em perfume;
E o cobre cria zinabre
Que lhe dá nobreza e lume.
Borboletas voam cores,
Bem-te-vis falam de amores,
O agrião tem azedume.
Lá detrás daquele morro,
Passa boi, passa boiada...
A oração é meu socorro
Nesta vida atravessada.
A chuva corre p’ra o mar,
Com os rios a lhe embalar...
(E eu não penso mais em nada...)
Cada coisa tem por quê,
Neste mundo assenhorado.
Quem te viu e quem te vê:
Estás bem-apessoado!
Só eu não sei qual meu fim,
Tudo é um mistério p’ra mim;
Olho o futuro... é passado...
Estrelas guiam os barcos,
Nos mares tão espraiados.
Governantes deixam marcos,
Uns em pé, outros tombados.
Só de mim não resta traço,
Pois o máximo que eu faço
São versos rotos, rasgados...
Para Bijan Ardjomand.
Saí hoje à tarde em busca
De uma nova
epifania...
A falta de luz me
ofusca,
Poemar já é
mania...
Nuvens cinzas na
cidade,
Desconheço a
minha idade,
Tudo esqueci que
eu sabia...
Buenos Aires está
fria
E bem molhada em
setembro.
O rumo por onde
ia...
Ai! que rumo? já
não lembro...
Me abrigo bem na bufanda,
Olho a moça que
ali anda,
Sinto uma dor...
em que membro?
Meu êxtase eu não
encontro:
Procurei num mau
lugar...
Todo o prazer que
vem pronto
Não o vale a pena
achar...
Epifania na
terra?
Quem pensa que
encontra, erra!
Tudo aqui vai
acabar...
Nesta cidade
portenha
Encontro a
melancolia.
Uma media luna é senha
Para um pouco de
alegria.
Uma alegria
fininha,
Bem como aqui me
convinha,
Mientra yo cruzo esta via...
Buenos Aires, 06
de setembro de 2016
Não temo mais a tristeza,
Companheira de decênios.
Companheira, com certeza,
Da humanidade há milênios...
Quem sou eu p’ra ser impune?
A dor fortalece e une:
O sofrimento faz gênios.
Não gênios do pensamento,
Mas gênios do amor a Deus.
Enfrentam dor e tormento
Sem sofrer c’os males seus.
Sublimaram toda dor
Tendo na fé o fulgor
Que bem falta aos fariseus.
Acolher com fé a dor,
Aceitar os dissabores,
Estes são sinais do amor,
Que é paciente em todas dores.
“Fortaleza em meu mandato,
“E, na dor, paciente e grato”,[1]
Diz o Senhor dos senhores.
Já sei o que vou fazer;
Não há mais mal que me achaque.
Vou pintar, ler e escrever,
Quando a tristeza me ataque;
Mirar as nuvens no céu,
Santificar o ego incréu,
Contemplar um Nuritake...
Para Soheil Eftekhari.
Campinas, 1º de fevereiro de 2015
[1] Bahá’u’lláh. As Palavras Ocultas, do árabe, nº 20 —“ Ó Filho do Homem! Para tudo há um sinal. O sinal
do amor é constância sob Meu decreto e paciência em Minhas provações.”
Minha vida não foi fácil,
É o meu sorriso que a esconde...
Ai! E existe vida fácil?
Se existir, me mostra onde!
O que é fácil não tem peso...
Quem sai desta vida ileso,
Da vida perdeu o bonde...
Podada, a planta bem cresce;
Lapidada, a pedra brilha.
Sancho Pança bem merece
Governar a tal da ilha...
Pois foi sovado e sovado
Ao andar emparelhado
Com quem lhe mostrava a trilha.[1]
São as chagas que definem
Quem lutou veraz ou não.
Azeitonas se comprimem;
A doença me faz são.
O arado corta a terra,
Que em seu seio sempre encerra
A abundância do grão.
Há vidas tão mais difíceis
Do que a minha foi ou é...
Se apenas vós todos vísseis
A virada da maré!
Quem se cinge de ouro cai;
E a grã beleza se esvai...
O forte não para em pé...
Campinas, 03 de julho de 2016
[1] Ao longo de toda a narrativa
do Dom Quixote, o impagável Cavaleiro
da Triste Figura promete a Sancho Pança, seu leal escudeiro, que um dia o faria
governador de uma ilha, pois isso muito bem cabia ao escudeiro de uma nobre
cavaleiro.
Gosto das chuvas pesadas,
Demoradas, diluviais.
Daquelas que, ao acabar,
Não dá para chover mais.
Chuvas dignas de Noé,
Que enchem o oceano até
Desaparecer o cais.
Claro que me quero dentro
De um lugar bem abrigado;
Um belo sofá no centro,
Um livro, e eu bem deitado.
Assim enfrento a tormenta
Com firmeza de polenta;
Longe: o mundo naufragado.
Mas... como é raro assim ser...
No geral, sem guarda-chuva,
Sinto a chuva em mim chover.
Sem galocha, lenço ou luva,
Não sei p’ra onde correr.
O dilúvio então me abraça,
Quem vai de carro acha graça;
Murcho qual passa-de-uva.
Procuro me precaver,
Procuro estar sempre alerta;
Ouço a moça predizer,
Mas previsão, quando acerta?
Não lamento dos banhos meus:
Tenho certeza que Deus
Mede o frio pela coberta...
Barueri, HP, 10 de agosto de 2016
Deus me perdoe a repulsa,
O nojo, o asco e o desdém,
O ódio que forte pulsa,
E a raiva que aos golpes vem
Se eu penso nos governantes,
Os de agora e de antes,
Que esta nossa terra tem.
Bem aqui, roubam e mentem,
Logo ali, matam a rodo.
O que será que eles sentem
Com todo o mal e o engodo
Que impõem às gentes humildes,
Pedros, Marias, Clotildes,
Todos jogados no lodo?
Diante das autoridades
Tremo. Mas é só por asco,
Sinto o odor de mil vaidades
E a frieza do carrasco.
São qual sepulcros caiados,
Podres, mas brancos nos lados.
(Para urubus, falta o casco...)
Como serenar o peito?
Não prantear cansada vista?
A prece pode dar jeito
Ainda que o mal insista.
Se receio ficar louco,
Eu a busco, dentro em pouco:
Poesia, minha analista.
Campinas 05 de fevereiro de 2015
Ai! Tenho estado tão mal!
Ai! bem quisera morrer!
A morte é, certo, um portal
Para parar de sofrer.
Neste mundo o mal impera,
O homem é besta-fera,
A vida é ser ou não ser...
Me recolho; então me aprumo,
Reverto meus pensamentos.
Como lastimar o rumo?
De Deus, os ensinamentos?
Se sofremos nesta vida
É p’ra curar a ferida
De corações desatentos.
Ele fere, mas Sua mão,
É ela que cura a chaga.[1]
Se as dores, em batalhão,
Desferem golpes de adaga,
A lembrança d’Ele cura
E já uma joia pura
O traço da dor apaga.
Ai! Tenho estado tão bem,
Que melhor não poderia!
A vida é bênção p’ra quem
Nem achou que viveria.
Neste mundo há tanta luz!
Beleza que me seduz:
A vida é só alegria!
Barueri, HP, 05 de julho de 2016
Ai! É um dia bem bonito,
Mas não deveria ser.
O mundo está torto, aflito:
Milhares têm de morrer...
No Mediterrâneo, em Nice
(Mundo cheio de estultice),
Quem pode o mundo entender?
Ai! É um dia bem bonito,
Mas não deveria ser...
Há preconceito, há conflito
(É mesmo difícil crer...).
Estupros dentro de casa,
A alma dos homens, rasa:
A humanidade a sofrer.
Ai! É um dia bem bonito,
Mas não deveria ser.
Bem e Mal em gão atrito,
Com o Mal quase a vencer.
Ladrões governam nações
E, no auge dos verões,
O Carnaval, p’ra esquecer.
Ai! É um dia bem bonito,
Mas não deveria ser.
Das dez doenças, foi dito,
De um mundo a padecer,
Cinco são males da alma,
Num mundo sem luz nem calma
Hoje devia chover...
Barueri, HP, 08 de julho de 2016
A neblina cobre o vale
E aconchega, como um chale,
O ribeiro, o verde, a mata.
Leitosa como meus sonhos,
Como meus dias tristonhos,
Sobre a terra se desata...
Tenho neblina na alma,
Como uma doída calma
Que corrói a alegria.
Sei que brilhará o sol
Na fulgência do arrebol,
No fulgor de um novo dia.
Serei feliz vivo ou morto?
Na penúria ou no conforto?
Ou sou feliz e não sei?
Busco o êxtase sem folga,
A emoção que sempre empolga...
Mas... o júbilo é lei?
Ai! O sol também se põe
E a treva que se lhe opõe
É tão veraz quanto ele.
Não há júbilo eterno:
Amargo e doce se seguem...
E as preces, o que conseguem?
Livrar a alma do inferno...
Barueri, HP, 29 de junho de 2016
Ai! e vai a vida assim,
Enrolada qual novelo!
É como pentear capim,
Comer com o cotovelo.
Vai a vida sempre torta
Como a tal torre de Pizza.
Mas minh’alma não se importa,
Se mi’a fronha estiver lisa.
O tempo andou no relógio
E fez o gongo bater.
Escreveu meu necrológio
Antes de defunto eu ser.
Minha terra tem asneiras
Que não dá! não dá! não dá!
O pranto que aqui pranteiam
É da dor que temos cá.
Eu trombei contra o destino
No meio da Frei Caneca;
O padre tocou o sino,
No varal, chove na cueca.
Quis tirar pelo do ovo,
Mas roubaram a galinha;
Nisso aí, nada de novo,
Ela era da vizinha.
Sete e sete são quatorze,
Com mais sete, perco a conta...
Também se escreve catorze:
(As coisas que a língua apronta!)
Bem... vou ficar por aqui:
No instante de lucidez.
E eu sofri, sofri, sofri...
(Será que eu disse a vocês?)
São Paulo, 25 de abril de 2011
Gosto mais de uma saudade
Do que de mil esperanças.
A saudade não me escapa,
É feita de mil lembranças.
Mas o que vem por diante
Sói ser tristeza gigante,
Qual de Rapunzel as tranças.
Sim... quero mais o passado,
Com derrotas e vitórias.
O que foi está gravado
Nas minhas tantas memórias.
O que será desconheço,
Como, pois, lhe ter apreço?
Já mi’as dores foram glórias!
O passado me acalanta!
Quero a vida só passado!
Já o futuro me espanta:
Por ser assim complicado.
O que foi dor eu olvido,
Mas retenho o aprendido,
Trago o ontem do meu lado.
Que penas inda virão?
Que batalhas travarei?
Serei mocinho ou vilão
Aos olhos da Grande Lei?
É tão fácil tropeçar,
Difícil alçar-se ao ar...
(Tempos sombrios verei?)
Mas dou meus passos sereno:
Todo amanhã vira ontem!
O futuro só é pleno
Quando há histórias que o contem.
Meu passado é de futuros;
Não foram assim tão duros...
Venham, amanhãs! Se aprontem!
Campinas-Florianópolis, 18 de fevereiro de
2016
Ai! Que gosto tem a vida
Sem tua doce
amizade?
É caminhada
sofrida,
Penada pela
saudade.
Sem teu sorriso,
vou só,
Mais e mais igual
ao pó:
Curvam-me a
tristeza e a idade...
Ai! Que cores tem
o mundo
Sem a luz do teu
sorriso?
É nas trevas que
me afundo,
Na escuridão,
agonizo.
Teu amor era tão
belo:
Tão franco,
fácil, singelo...
Quero falar...
paraliso...
Ai! Que esp’rança
tem a alma
Se de ti só vem o
frio?
Onde o carinho
que acalma,
Onde o lastro do
navio?
Nem o frio tu me
concedes!
Nada faz que te
apiedes!
Só este eco vazio...
Rompe-se a corda
entre nós
E então um nó nós
lhe atamos;
Um nó no ego
feroz:
Inda mais nos
acercamos.
A morte tem seu
consolo;
Não o teria este
rolo
No qual nos
amortalhamos?
Vem! Demos um nó
à corda!
Avizinhemo-nos
mais!
Até o mais tolo
concorda:
Há separações
fatais;
Morre um coração
de um lado;
D’outro é outro
sepultado
Sem anúncio nos
jornais.
Eu te amei antes
de seres,
Quando eras só
promessa!
Pois o amor é um
dos deveres
Que nem com a
morte cessa.
Por que, então a
distância?
Acabemos co’ essa
ânsia;
Vem! Vem! Me
abraça depressa!
Para André Danesh Beust.
Barueri, HP, 08 de fevereiro de 2017
Barueri, HP, 08 de fevereiro de 2017
Cuidado p’ra não bulir
Com Eros,[1]
deus irascível.
Não é possível fugir,
Nem escapar conseguir...
Estar a salvo é implausível.
Eros controla o destino
De todos a quem alveja.
É encantamento divino,
A loucura e o desatino,
Que mesmo Vênus inveja.
Psiu! Passa quieto! Não fales!
Pois Eros é sempre atento!
Cuida montanhas e vales...
Cuidado que não resvales
E ele te alcance, sedento.
Ai! Da tua seiva sedento,
Seiva de tua existência!
Disfarçado de acalento,
De suposto bom intento,
Roubará a tua essência.
Foge! Foge de Eros, vai!
Seu chamado é de sereia!
Aos tolos todos atrai,
E a vida vaza, se esvai,
Não sobra inteira, só meia.
Nem meia! Nem meia sobra!
Pois Eros é violento!
Quando encerra a sua obra,
A alma não se recobra...
Ah! mil suspiros ao vento...
Cuida: Eros é menino!
É traquinas, folgazão;
Mas não menos assassino!
Sim, eu sei! Eu o incrimino,
Pois matou meu coração.
São Paulo, 18 de abril de 2011
Estou triste, muito triste:
Esqueci, de novo, as chaves.
— “Estás mal, ou te feriste?” —
Não! Só transtornos e entraves...
Enroscos roubam a calma
E ferem a honra d’alma
Bem mais que as doenças graves.
Patético ser humano!
Tonto assim como uma mosca,
Cego assim como um gusano;
Corpo frágil, mente tosca;
Um ser só de dissabores:
Más labutas, maus amores:
Enrolado como rosca.
Estou triste co’a memória
Que me falha a todo instante.
Não recordo minha história
Nem os planos para adiante.
Nomes faltam... data, esqueço,
Olvido o produto e o preço,
E o “há pouco” vai distante...
A vida nos vai curvando
Sem nenhuma apelação.
As gentes vão se enganando,
Que a vida não passa não.
Carpe diem é
conselho
De quem se afasta do espelho
E se apega ao mundo cão.
É preciso ver a morte
Que nos espera sorrindo.
Só assim se tem a sorte
De saber onde está indo.
Este mundo logo acaba;
Coitado de quem se gaba
Sem saber o que está vindo.
Pobre homem, tão aflito,
Cheio de dores e penas.
Chora um tanto, solta um grito,
Busca horas mais serenas...
Mas o que vem cada dia
É sempre nova porfia,
Ocorrendo em velhas cenas.
Mas há a alma, a alma!
Feixe ofuscante de luz![1]
E o que é o homem, senão alma,
Que ama, odeia e reproduz?
Ela é um dom do bom Senhor,
Orbe, no céu, de esplendor,[2]
P’ra quem dela fizer jus.
Diretrizes de vingança
Maldades bem planejadas...
De Caim temos herança,
Nas intenções mascaradas.
Não há bem que nos anime
E fugimos do sublime,
Sofridos e em gargalhadas.
Mas se Abel morreu sem pena
E sem deixar descendência,
Com sua história Deus acena
Para o fim da violência.
Somos capazes do bem,
Apesar do mal que vem
Do negrume da existência.
Ai, meu Deus! Mas há a alma...
Sublime, luzente e alva!
De Deus, a celeste palma
Que o torpe gusano salva.
Ser de dar pena e dar dó,
Forma movente de pó,[3]
Sem perfeição...
Nem ressalva!
Campinas – São Paulo, 28 de janeiro de 2015
[1] ‘Abdu’l-Bahá. The
Eternal Quest for God, 218. — “Ela [a alma] é exclusivamente luminosa; não tem corpo; é um ofuscante feixe de
luz; é um orbe celestial de esplendor.” A
tradução é minha.
[2] Idem. Ibidem.
[3] Bahá’u’lláh: As Palavras Ocultas: do persa, nº 21 — “Ó Forma movediça de pó!”
Já não saio mais de casa;
O mundo me bota medo!
Esta angústia que me abrasa,
Oh! antes passasse cedo.
Busco, nos livros, disfarce
Para a dor que me corrói.
A leitura me ressarce
O que a vida me destrói.
Impossível não pensar
No perjúrio dos teus atos...
Buscando a dor represar,
Eu levanto e lavo os pratos...
O que leva o mundo ao riso?
É ignorância, isto eu sei.
Houvesse um sequer de siso,
Choravam o que eu chorei!
As horas tiquetaqueiam,
Impassíveis ante a dor.
Enquanto tantos pranteiam,
Outros desfrutam do amor.
Ah! Não há dor mais certeira
Que a nascida de deleites.
Risos fazem tua caveira,
E ainda a adornam de enfeites.
Levanta as mãos, suplicantes,
Aos céus que concedem paz:
Que das injúrias de amantes
Incólume sempre vás!
Ai! quero mudar o tema,
Mas volto sempre ao amor!
O mundo o impõe de lema,
Carrega-o aonde for.
Ah! Esquece-se a prudência,
A justiça, o que mais for;
Da fé não se tem ciência,
Mas não se esquece do amor!
Que pertinácia terrível,
Esta dos contos de fadas!
Realidade impossível
Em mil vozes celembradas...
Não há a realidade,
Olvida-se o vero aqui...
Rapunzel é a verdade!
Nunca se olvida o Saci!
E segue o mundo, com lendas,
Entre elas a do amor...
Ele é de barro (com rendas!),
Cuidado co’ seu andor!
Como histórias de fantasmas,
As tantas de amor cativam.
E, como os brancos miasmas,
Ele é só um sonho — e vão!
Mas... comecei pela angústia,
E como angústia só rima
Com ela mesma, a angústia,
A angústia mantém o clima.
Sei por que ela não termina:
Já não me posso mentir...
A angústia que me domina
É a angústia de existir.
São Paulo, 23 de abril de 2011
Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
Fernando Pessoa
Que sabem de mim? Um nada!
Nem eu sei meu coração...
Não sou alma separada;
Não sou um; sou multidão.
Em mim há baixos e altos,
Se sucedem sobressaltos,
Pois sou, da tragédia, irmão.
Tenho fossas abissais
As quais nem sempre eu acesso;
De caos e negrume tais
Que nem a mim eu confesso.
Nascido do pó da terra,
Conheço o breu que ela encerra,
E no céu busco progresso.
O progresso de minh’alma...
Para onde? Nem sei bem!
Um lugar de paz e calma,
Com a eternidade. Ou sem...
Um lugar de fé e luz
(Certamente ao pé da cruz),
Onde a alma passe bem.
Que sei eu de mim? Um nada!
Vejo as montanhas, os mares,
E, tendo a vista alargada,
O sol e a lua nos ares.
Tenho florestas no peito,
A Via Láctea e, em seu leito,
Estrelas aos mil milhares.
Sou o cosmo, o universo:
Extenso, amplo, infinito;
Mundo após mundo, disperso:
Soberano, vasto e aflito.
Como mapear meu eu?
Como ver o que Deus deu
Para mim, de Deus proscrito?
Eu tenho a Deus e O não tenho,
Vivendo entre a sombra e a luz.
Falta-me força e empenho?
O amor ao mundo seduz!
Serena, meu coração!
Que a dor não te abata não.
Segue! E leva a tua cruz.
Não conheço quem eu sou;
Não me vejo por inteiro.
O que eu era já passou:
Foi um sonho bem ligeiro.
O que eu sou sempre me escapa;
De mim mesmo não há mapa:
Amanhã, sou nevoeiro...
Não me peças coerência,
Eu sou múltiplo, variado.
Luz e sombra têm regência
Neste peito torturado.
Me queria linear,
Uma só voz a falar,
Mas não foi este o meu fado.
Será isso um desvario?
O sol que brilha, se oculta
E a água, fora do rio,
Logo se aquieta e sepulta.
Na variança do meu ser
Não deixo de te querer
E a confusão já resulta.
Eu te quero e não te quero;
Ser feliz com e sem ti.
Mas meu lamento é sincero:
Conheço o amor que senti.
Nos meus múltiplos sentires
Se um brilho nos olhos vires,
Sabe que brilham por ti.
Deus me embala no balanço,
Para longe e para perto.
Sua mão não dá descanso,
Mas deve ser este o certo.
Subo e desço; alço voo!
(Que pecados me perdoo?)
E sigo de peito aberto.
Peito aberto para o mundo,
Tão variado quanto eu!
Nada é igual. Num segundo
Um ganhou, outro perdeu.
Caleidoscópio gigante
É o universo mutante,
Como este coração meu.
Respiro fundo e sereno.
E na caótica ordem
De um cristão ainda heleno,
Mil conjecturas explodem.
E se rogo ajuda aos céus,
Que se me partam os véus,
Anjos e demos acodem.
Ai! Tempestade e bonança!
Ai! Bonança e tempestade!
Se numa encontro a esperança,
Na outra, nem a metade.
Baixo a cabeça, contrito,
Não vale choro nem grito:
O destino é majestade.
Meu destino não é meu.
Eu só decido a minúcia.
Quando eu nasci me regeu
Seu engenho, a sua astúcia.
Não decidi ser eu mesmo!
Eu fui sendo, bem a esmo,
Sem garantia ou fidúcia.
Portanto, assim, sendo eu tantos,
E sem plano definido,
Certos serão os mil prantos
E o coração constrangido.
Fiz o mal que eu não queria.
Não fiz o bem que devia.
Ah! Aos céus já houvesse eu ido!
Perdoa-me, pois, se podes.
Algo em mim ‘inda reluz
E canta infinitas odes
Qual se tudo fora luz.
É um diamante em minh’alma:
Do desapego, a palma,
Deste amor que me seduz.
Oh! Mil mundos meus, clamai!
Que o caos abandone a alma!
Vença a Lei Maior, sem ai,
E a submissão traga a calma.
Tudo eu posso neste mundo,
Tanto o puro, quanto o imundo,
Sem precisar de vivalma.
Mas permanece o mistério
De quem realmente eu sou.
Se do Tempo for o império,
Já fui... vou ser... nunca sou...
Mas qual espelho partido
Reflito o sol, constrangido:
Cada caco em que brilhou.
Para Paulo Roberto de Araripe Sucupira.
São Paulo, HP, 10 de dezembro de 2014
São Paulo, HP, 10 de dezembro de 2014
Fiz devassa nas memórias.
Tantas lembranças queridas,
Tantas lembranças inglórias.
Parecem de cem mil vidas,
Quantas delas me surgiram,
Com outras nelas contidas.
Não sei se os bons anjos riram
No momento em que nasci,
Ou se hoje ainda suspiram
Por todo o bem que perdi.
As lágrimas não apagam
As tristezas que eu sofri.
Os filósofos divagam
Sobre coisas que são certas,
Enquanto vidas naufragam,
(Do inferno, as portas abertas)
Por falta de boa guia.
(As almas mudas, desertas.)
Relembrei por onde eu ia
Quando acertado ou perdido;
Quando no fosso eu caía,
Sem saber de ter caído.
E quando Deus me embalava,
Feliz por eu ter nascido.
A toda lembrança brava
Se opunha uma mais serena.
Toda a vez que a dor clamava
De mim mesmo eu tinha pena.
Como dia e noite iam
Se alternando na arena.
Quando as bênçãos me desciam
Eu me achava bem feliz.
Talvez as dores partiam,
Talvez não quisessem bis.
Mas, ai! sempre elas voltavam:
Frutos certos do que eu fiz.
Sim, as recordações travam
Batalha de sombra e luz;
Umas a cova nos cavam
Outras nos salvam na cruz.
Campinas, 07 de setembro de 2018
Minha musa é minha dor;
Não me deixa descansar;
Oferta-me, por compor,
Fogo, terra, água e ar.
Mesclo todos elementos
No crisol dos sofrimentos
Que me têm a suspirar.
Minha musa é minha dor:
Me alcança temas divinos.
Por seu bondoso favor
Encontro meus pobres hinos.
Quanto mais pesada é,
Maior se me torna a fé,
E repicam nobres sinos.
Minha musa é minha dor,
Ela mesma, porém, muda.
Me segue por onde for
E não cessa a sua ajuda.
Só me fala por sinais
De surdo-mudo e outros quais.
Quero responder... Caluda!
Minha dor é minha musa.
Sem poder falar, versejo.
E ela, silente, me acusa
De falhar ao seu ensejo.
Mas é ela quem me cega,
Pois a cada nova entrega
De seus dons eu já não vejo.
Minha dor é minha musa.
Com ela tramo, conspiro.
De um modo que se não usa
Com ela me banho a frio.
E os versos que eram p’ra ser
Se recusam a nascer:
Somente são um suspiro.
Campinas, 10 de setembro de 2018
Faltarão anjos no céu,
P’ra Deus te levar tão cedo?
Bem sei que por trás do véu
Não há pena, ou dor, ou medo...
Mas aqui ficou o pranto
De quem te amou sempre e tanto
(E a vida mudou de enredo).
Faltarão anjos no céu,
Ou queriam teu sorriso?
Apesar do povo incréu,
Segues viva, diz-me o siso.
Brilhas no céu, certamente,
Como estrela refulgente,
Adornando o Paraíso.
Faltarão anjos no céu,
Ou que outra sabedoria
Te concedeu o troféu
Que a Deu te reuniria?
Grande como a nossa dor
É a bênção do Senhor
A quem segue a eterna via.
Faltarão anjos no céu,
Para que levasse um nosso?
Suspiro, e suspiro ao léu,
Pois chorar já não mais posso.
Reconstrói-se a rotina...
Minha vida e minha sina
Com tua lembrança adoço.
Para Fátima Morganti, in memoriam
Campinas, 21 de outubro de 2018
Eu tinha o desejo
De não ter desejo.
O que mais eu queria
Era não querer.
Mas o mundo é cheio
De coisas tão belas
Que eu sempre esquecia
De não querer, e queria.
Campinas, 31 de outubro de 2018
Quantos chafurdam na lama,
Presos ao mundo de pó.
Não ouvem a voz que chama...
Ai, que lástima, que dó!
Um ser feito para o alto,
Vive em medo, em sobressalto,
Contemplando o abismo, só...
Sem esperança, sem rumo,
Buscando o que nada vale;
É uma demência, presumo,
Ou mais... (é melhor que eu cale);
Julgam-se reis da Verdade:
Sem pena ou dificuldade
Aplastam quem os abale.
Ai, que tristeza! Que dor!
Esta falta de nobreza,
Toda esta falta de amor...
Campinas, 21 de julho de 2019
Sem vontade de viver,
Sem vontade de existir.
Não se trata de morrer,
Mas de não ter de seguir...
Este mundo é vão, é oco,
E em momentos de sufoco
Penso sério em desistir.
Mas esta dor é tão grande
Que a morte não é remédio.
Para onde quer que eu ande,
Segue ela o seu assédio.
Não é o viver que dói;
Outra coisa me corrói:
Não ter do amor o remédio...
Campinas, 20 de julho de 2019-11-13
De mim e de quase mim
É o suspiro que pressentes.
Se inteiro ou partido assim,
Somos ambos indigentes.
Meu eu e meu quase eu
(E um terceiro, que morreu)
Somos escárnio das gentes.
Mesmo meu eu é partido
Em pedacinhos de mim;
Fracionado, dividido.
Se inteiro ou partido assim,
Sou pouco mais que um desejo
Com remordimento e pejo
De mim e de quase mim.
Campinas, 21 de julho de 2019
Ah! nesta noite indecisa
Deviam coaxar sapos.
A lua não se divisa;
Nada ilumina meus trapos.
Noite negra de tristeza,
Mancha de café na mesa,
E a alma quase em fiapos.
Ah! Nesta noite indecisa
Deviam cricrilar grilos;
O som da noite ameniza
Esta dor com seus sibilos.
Sapos, grilos, cães, corujas
Permeiam as vias sujas,
Seus bruxos e seus pupilos.
É a Noite da Valburga,
A noite é suspeita, e a brisa,
Onde toca, o bem expurga.
Horror! Não sei o que faça
Nesta noite de desgraça,
Ah! nesta noite indecisa.
Campinas, 30 de abril de 2019
Sopra um vento quente e seco;
Folhas se ajuntam nos cantos;
Redemu’nho em cada beco,
Confusos e longos prantos.
As preces se erguem, zelosas,
De almas tristes e medrosas,
Que apelam a todos santos.
A lua é cheia, e tão bela;
Estrelas piscam, solertes.
Mas esta tristeza, e aquela,
E a outra, da qual me advertes,
Apagam lua e estrelas;
Nem é o caso de retê-las
Se os corações são inertes.
Havia um fio de esperança
Que balançava no vento:
De um tempo que é só bonança,
Onde o Bem é grande e lento.
Mas o vento é seco e quente
E empurra a dor para a frente,
E rouba a esperança e o alento.
Campinas, 14 de agosto de 2019
Nura, Nura, Nura, Nura!
Na minha dor eu te chamo!
Onde está o Deus que cura?
Onde está o Deus que eu amo?
Às preces, responde o eco.
E a minha fé eu disseco;
E aqui, só, por Deus eu clamo.
Nura, Nura, Nura, Nura!
Vem! Escuta as tantas vozes
Que de forma doce e pura
Pedem p’ra que a vida gozes.
Mas o Pai, o que deseja?
Seu silêncio tudo enseja...
Os dias serão algozes?
Nura, Nura, Nura, Nura!
Deus fala em meu coração:
A vida que pouco dura
É onde nasceu Adão.
A eternidade te espera
Depois desta vã quimera:
És, nesta vida, um botão.
Para Nura Malekhzadeh Beust
Campinas, 14 de agosto de 2019
O vento sopra com fúria,
O cuco bate três horas.
E, da noite, a alta cúria
Planeja o fim das auroras.
Há segredos escondidos
De gente e tempos já idos...
(Mas agouro das caiporas...)
A madrugada é sofrida
No meu seio e ao meu redor.
Pois quem recém veio à vida
Pode ir dessa p’ra melhor.
Mas, ai! que poder eu tenho?
Resignado eu curvo o senho,
Contendo uma dor sofrida.
Não sei se há lua ou não,
Por medo de olhar p’ra fora.
Na noite medonha, o Cão
Dança com sacis agora.
E eu me encolho e choro e peço:
A graça de Deus acesso —
Que fiques! não vás embora!
Para Nura Malekhzadeh Beust
Campinas, 18 de agosto de 2019
Sopra uma aragem medonha.
As folhas redemoinham.
Na loucura de quem sonha,
As folhas secas caminham.
Pé ante pé, como fadas,
Roubam lembranças amadas,
E as saudades dos que as tinham.
Noite de breu, de mistério,
Com dores que eu não alcanço.
Qual Hamlet no cemitério,
“Ser ou não ser”, eu afianço.
Noite da Valpúrgia louca![1]
(Toda fé é sempre pouca!)
Não há sono nem descanso.
Há ruídos que não sei!
De que seres eles vêm?
Todo o mal que eu abjurei
Vem de volta! Vem e vem!
Eu me recolho na prece,
E que a aurora Deus apresse,
E o fim das trevas! Amém!
Campinas, 17 de agosto de 2019
Esta tristeza tão triste,
Que me morde e arranha e bate,
Dispeço-a, mas insiste:
“Não querias ser um vate?”[2]
Argumenta, soberana.
“Com a dor ninguém se engana!”
(Argumento de quilate...)
Não podia ser menor,
Essa tristeza mortal?
“Quem é que sabe o melhor
“P’ra sua alma imortal?”
Sim, eu sei! Sei que eu não sei,
Pois outro dia pensei
Que o bem é que era o mal.
“Só é bom o que é de Deus,
“Seja alegre, seja triste.
“Esquece os desígnios teus
“E tudo o que ouviste e viste.”
Eu venho chorar contigo,
Enquanto choras comigo,
No vazio que em mim existe.
Campinas, 12 de outubro de 2019
Ah! suspiro de saudade!
Saudade não sei do quê...
De tudo e nada, saudade,
Do q’vi, do que não se vê.
Choro por dentro e suspiro,
Me bato, me torço e firo,
Na angústia que ninguém vê.
Saudades de tempos idos,
Felizes porque inocentes.
Temia o escuro, os rangidos,
Lobisomem, com seus dentes.
Mas, a vida, não temia!
Fosse quente ou fosse fria,
Tinha venturas fluentes.
Saudade de tudo em volta,
Saudade de tudo em dentro.
A vida: reviravolta
Com meu pobre ser no centro.
Fora e dentro, que mudança!
Mas não morreu a esperança
Que vai na saudade a dentro.
Campinas, 15 de outubro de 2019
Acho que o Atlântico é meu,
Preenchido do meu pranto.
Também me pertence o breu
Do qual fugiu cada santo.
No negrume dos meus ais
Há sempre mais dores, mais,
E eu padeço muito e tanto.
Não deve haver mais estrelas
Que os suspiros que eu emito.
As luzes, vamos perdê-las,
Mas meu pranto é infinito.
Choro desde que há o mundo,
Enregelado no fundo
De um Hades negro e desdito.
Mas a esperança rebrilha!
Eu sei do Teu grande amor!
Um coração que se humilha
Há de apartar-se da dor.
Teu perdão é infinito
Contra as sanhas do Maldito,
E o vence, qual o que for.
Campinas, 27 de outubro de 2019
Minha via dolorosa
Durou toda a minha vida.
Ora triste e bem chorosa,
Ora um fosso sob medida.
Ninguém sabe quantos ais
E chibatadas brutais
Conheci, e a grã ferida.
A grã ferida da lança
E a dos cravos, cada um.
Mas minha alma ia mansa,
Sem nem sentir cravo algum.
Parecia estar no mar,
Entre ondas a quebrar:
Oferenda a Olorum.
Minhas penas, quem as sabe?
E o meu pranto, quem conhece?
Antes que o mundo se acabe
Vale mesmo a menor prece.
Minha via dolorosa
Prossegue torpe, teimosa,
Rindo de mim, me escarnece.
Campinas, 08 de novembro de 2019
[1] A noite de 31 de abril para 1º de maio era
tida, entre os povos germânicos, como a noite das bruxas, quando bruxas
e demônios reúnem-se num sabá no cume do Brocken — o monte mais alto da
cordilheira Harz, no norte da Alemanha central. A missionária inglesa Walpurga
(Valgurga ou Valpúrgia, em português), falecida em 777, foi canonizada no dia
1º de maio, dando origem ao festival cristão de Santa Valpúrgia, que procurava
sobrepor-se às celebrações pagãs.
[2] Indivíduo que faz vaticínios, profecias; profeta,
adivinho, vidente. Por Extensão: Aquele que compõe poesias; poeta, versejador.
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